quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Minha estreia na novela das oito


             Muita gente não sabe, mas antes de rodar as tranças como Abadia, no Zorra Total, eu fiz mais de 30 participações em novelas e programas da Rede Globo. Não posso esquecer da primeira vez que participei de uma novela das oito!            
                 É o tipo de telefonema que todo ator sonha em receber. Um belo dia o meu telefone tocou e era a produtora da novela “Senhora do Destino” me convidando para uma participação. Ela perguntou: “Você pode?”, eu segurei o grito histérico e respondi: “Tá, tudo bem.” Então ela me perguntou se eu estava fazendo alguma peça de teatro. Pensei: “Opa! Deve ser uma participação grande!”. Falei as datas da minha peça e ela falou que não haveria problema. Ufa!!!! Ela se despediu dizendo que o moto-boy levaria o texto na minha casa. Eu morava sozinha no Rio de Janeiro e me deu vontade de tocar a campainha da vizinha e pular no pescoço dela de tanta alegria. Mas canalizei minha euforia em um telefonema para Curitiba, onde contei aos berros para minha mãe.
            Quando o moto-boy entregou o envelopão da Globo com meu nome , até o meu porteiro me olhou diferente. Eu achei tão legal que não queria nem abrir. Queria guardar, daquele jeito. Mas aí a curiosidade foi mais forte e ataquei o envelope para ver minhas cenas. Na primeira página dizia: Dig Dutra - atendente da sorveteria. Unf! Odeio quando o personagem não tem nome. Tipo assim: Mulher 1, aeromoça, guia de museu, atendente da sorveteria... Que coisa! Custa dar um nomezinho pra coitada? Então peguei o texto. Era o cápítulo 123 inteiro. Um calhamaço, fiquei horas folhando até achar meu personagem. Lá estava: ATENDENTE – Já sei que é o de sempre: suco de abacaxi com hortelã. Não, peraí... como assim? Só isso? Folhei, olhando quase que letra por letra para ver se eu achava mais alguma palavrinha destinada a minha pessoa. Nada. Era só aquilo mesmo. Agora me digam... era necessário mandar um moto-boy atravessar o Rio de Janeiro para me levar uma frase? Poderiam me passar por telefone! Tudo bem, era importante eu receber o capítulo todo para saber onde eu me encaixava na história. Mas vamos combinar que, com apenas uma frase, eu não ia interferir em nada no desenrolar da carruagem. A não ser que eu criasse a minha própria trama. Se eu olhasse para a Jennifer (Bárbara Borges – era com ela que eu contracenava) e falasse “suco de abacaxi” com ironia, as pessoas iam pensar que nunca foi suco de abacaxi. E o que será que foi? Causaria discussões nas rodas de amigos. Ou se eu falasse num tom de mistério “com... hortelã”, as pessoas podiam pensar que ela tinha algum segredo comigo. Que hortelã era um código. E se eu falasse maliciosa “o de sempre”, pronto! Peguei o público. Polêmica. Aí o autor ia ser obrigado a continuar escrevendo para o meu personagem, que com certeza deixaria de ser “atendente da sorveteria” para se tornar “Gilda”. Não sei porque acho que esse era o nome dela. Meio misterioso, não se sabe se é vilã ou mocinha.
            A verdade é que ainda não era o momento de externar toda a minha dramaticidade numa novela das oito. Deixei todos os subtextos de lado e fiz, pura e simplesmente, uma atendente de sorveteria. E foi assim a minha inesquecível estreia. Alguns segundos apenas... mas segundos nobres!

Sai Fritando Banana


          Faz tempo que quero escrever sobre elas. Fico sempre deixando para depois, esperando o melhor momento, a melhor inspiração. Queria dedicar a elas um texto incrível. Mas hoje me dei conta que não é este o caminho. Escrever sobre minhas amigas de infância não requer genialidade, pelo contrário, é preciso manter a sutileza do simples, do puro, como uma redação de colégio.
            Foi lá que nos conhecemos, no Colégio Positivo Jr. Tudo obra do destino que nos reuniu na mesma turma. Aos poucos fomos nos aproximando, lanchando juntas, jogando no mesmo time na educação física, nos reunindo na casa de uma e de outra para fazer os trabalhos de história. Todos os anos nos matriculávamos na mesma turma, fazíamos Oficina de Artes e viajávamos para competições de atletismo. Debutamos juntas e, ano após ano, lá estávamos em todos os aniversários, formaturas e casamentos. Sim, crescemos. Apesar de tanto convívio, cada uma escolheu uma profissão diferente. Algumas, assim como eu, saíram de Curitiba. Tanta coisa poderia ter nos separado. Mas me orgulho muito toda vez que nos reunimos: Paulinha, Mayra, Wane, Nani, Nico, Fer, Mel e Dig.
            O nome da nossa turminha é “Sai Fritando Banana”. Vocês devem estar curiosos para saber o que isso quer dizer. E eu adoraria ter uma justificativa fantástica para contar. Adoro este nome, mas a verdade é que a origem não tem lá muita graça. Então vou aproveitar o momento para contar uma mentirinha que certamente virará lenda. “Sai fritando Banana” é um código secreto e só as oito meninas da turma sabem o significado. Algo que nem sob tortura poderá ser revelado. Um segredo que passará de geração em geração. Que tal? Falando nisso, já são dez os pequenos guardiões da turma. Um deles a caminho. Só eu ainda não contribuí com um herdeiro. Mas no meu casamento resolvi homenagear minhas amigas de uma forma especial. Convidei os filhos de cada uma delas para serem meus pajens e daminhas. Eles entraram ao som instrumental de “Lua de Cristal” tocada na harpa pela Nani. Foi lindo! Esta música representa nosso tempo de colégio e as crianças a continuidade de uma linda amizade.
            Fico imaginando todas nós bem velhinhas, muito vaidosas, de cabelo de nuvem e colar de pérolas, tomando chá e conversando sobre os maridos, os filhos e os netos. Até que alguma de nós pergunta: “Como era mesmo o nome desta nossa turminha?” Uma arrisca: “Tinha a ver com comida, não?” e outra finaliza: “E eu sei lá, aquilo nunca fez o menor sentido!”. E a tarde prossegue entre bolos, risadas e uma paz sincera no coração.


(escrito em  novembro de 2011)

O que mais importa


Justiça seja feita, mas a internet tem lá seus encantos. Estes dias ela me proporcionou um verdadeiro chá da tarde virtual com uma grande amiga das antigas. Eu e a Suli não nos vemos há anos, mas batemos um longo papo digno dos velhos tempos.
Durante nossa infância, viajávamos nas férias e nos feriados para Caiobá, litoral do Paraná. Como ela morava em Ponta Grossa e eu em Curitiba, só nos encontrávamos na praia e por isso não nos desgrudávamos o verão inteiro. Passávamos quase que o dia todo sobre rodas. Quando não estávamos de patins, andávamos de bicicleta. Às vezes, as duas coisas juntas. E não importava se as bicicletas estavam enferrujadas pela maresia, o importante era por onde elas nos levavam.
            E, como qualquer criança, queríamos viver uma grande aventura. Nunca acontecia nada de extraordinário, mas nos divertíamos muito. Várias vezes tentamos ficar acordadas com a janela do quarto aberta esperando o Sol nascer. Tagarelávamos a noite inteira e pegávamos no sono dez minutos antes do Sol surgir no horizonte. Depois de tantas tentativas frustradas, resolvemos mudar de tática. Íamos dormir cedo, na hora em que a mãe mandava, e acordávamos antes do Sol. Pegávamos as bicicletas e íamos fazer piquenique na pedra à beira mar: maçã e pão com patê. Não importava o que levávamos na mochila. Não importava nem mesmo o Sol, a pedra, o mar. O importante era a quantidade de risadas. Eu ficava deitada na pedra lendo Paulo Coelho. Acho que naquela época eu nem entendia, mas achava que combinava à beça com o nascer do Sol.
            Uma vez, aprontei alguma e meus pais me colocaram de castigo. Um dia inteiro sem sair de casa. Em plenas férias, com a liberdade pulsando lá fora, ficar fechada no apartamento era um castigo considerável. Então, eu e a Suli combinamos o seguinte plano: ela ia avisando todos os amigos que encontrava para irem lá em casa me chamar para brincar. Só o Luiz Guilherme tocou o interfone umas cinco vezes. A idéia era vencer os meus pais pelo cansaço ou pela comoção. Ver todas as crianças lá fora brincando e eu, tristinha, encolhida em um canto do sofá. Mas minha mãe sabia, desde aquela época, que eu era boa de cena, por isso só no fim da tarde fui absolvida. Sai de casa de bicicleta numa euforia alucinada, como um passarinho que acaba de ser solto e bate as asas apressado sem saber em que pedaço do imenso céu voar.
            Não importava passar as férias sempre no mesmo lugar, sem muitas opções. O importante era a certeza de que a cada ano, estaríamos juntas novamente e nos divertiríamos cada vez mais. Assim se passaram vários verões, até que nos perdemos pelo caminho.
            Hoje, tanto tempo depois, a internet nos reaproximou e, depois de uma nostálgica conversa, recheada de lembranças tão puras, percebi que uma coisa eu aprendi na infância: amizade verdadeira, isto sim, é o que mais importa.

(escrito em outubro de 2011)

Mais surpresas de família


                      Muitas vezes a intenção é ótima, a idéia é muito boa, mas a execução fracassa. Assim são algumas surpresas que tentamos fazer para a família. Neste assunto, a minha é campeã. Colecionamos histórias engraçadas de surpresas que não deram lá muito certo.
            Certa vez minha mãe seria homenageada como “Mãe do Ano”, no Clube Soroptimista, em Curitiba. Eu já morava no Rio e estava atolada de trabalho. Mas achei que seria muito importante para minha mãe a presença das filhas neste evento. Animada com a possibilidade de fazer-lhe uma surpresa emocionante, cancelei meus compromissos e planejei a viagem. Decidi não envolver ninguém da família, assim a surpresa se estenderia a todos. Combinei de ficar na casa de uns amigos e só aparecer, no momento da homenagem. Tudo certo. Nem meu pai, nem minhas irmãs sabiam do plano. Cheguei em Curitiba no domingo e me senti muito estranha por estar na mesma cidade que meus pais e não correr para vê-los. Mas era por um bom motivo. Meus amigos decidiram almoçar fora e escolhemos um restaurante que meus pais não conheciam. Por simples precaução. Entramos conversando e de repente todos pararam e me olharam com cara de sei lá o quê. Digo cara de sei lá o quê, porque não entendi mesmo o que aquelas expressões poderiam significar. Fui correndo os olhos pelo restaurante, como se estivesse em câmera lenta, ainda procurando entender o que se passava. Foi quando pousei o olhar em uma das mesas. Uma família animada me olhava com largos sorrisos nos lábios. Eram tão simpáticos e pareciam tão... familiares. Pisquei sem acreditar! Era a minha família! Num impulso ainda tentei evitar que me vissem. Corri para fora do restaurante e me escondi atrás de uma... grade. Sei que não era muito eficiente mas era o que tinha. Fechei os olhos como se o fato de eu não ver, fizesse com que ninguém me visse também. Neste momento ouvi uma gargalhada muito conhecida. Abri devagar os olhos e pude compreender a situação ridícula em que eu me encontrava. Encolhida atrás de uma grade, bem de frente para uma enorme janela onde, do lado de dentro, minha família assistia a minha tentativa patética de me esconder. A gargalhada era da minha mãe. Na hora ela compreendeu que era mais uma tentativa frustrada de surpresa e desandou a rir. Eu estava realmente inconformada por um lado, pelo fracasso do meu plano, mas extremamente feliz por outro, por antecipar o abraço que eu tanto queria dar nos meus pais. Sentamos para almoçar todos juntos e eu não tenho palavras para descrever o quanto nos divertimos com esta história.
            O que ninguém sabia é que a minha outra irmã estava a caminho de Curitiba com a mesma intenção. Não temos jeito, eu sei. Mas o importante é que, mesmo não saindo como planejado, nossas surpresas se tornam deliciosamente inesquecíveis!

(escrito em setembro de 2011)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Casal Serial Killer


              A história é simples. Durante os dois primeiros anos da peça Os Pândegos, tínhamos um casal de fãs que nos acompanhava em todas as temporadas. Compravam os ingressos sempre na primeira fila e, atenciosos, nos surpreendiam com presentes.
        É, seria simples assim se eles não tivessem se envolvido com criaturas estranhas. Sim, nós atores não somos muito certos da cabeça. Tenho que admitir que quando estamos em bando, então, a situação se agrava. Foi quando um amigo nos preveniu: “E se forem serial killers?”. Para quê? Não se pode fazer uma suposição destas, despretensiosamente, para atores. Nos olhamos e compramos o tema. Compulsivamente o jogo da imaginação havia começado.
            Aqui, vou me limitar a descrever apenas alguns fatos, que por sua vez foram assustadoramente favoráveis às nossas suposições. O suspeito casal nos convidou para um almoço em seu apartamento. Começamos com piadinhas discretas - só entre nós, claro - sobre o fato de estarmos em território inimigo. Logo alguém cogitou a chance da comida estar envenenada, mas rapidamente descartamos esta opção, pois era pouco criativa. Até onde sabíamos, um serial killer planeja e executa seu crime com crueldade. Ver sua vítima cair de cara no strogonoff não era nada emocionante. Também ficamos nos perguntando se eles matariam um de cada vez ou todos nós juntos. Então o casal resolveu nos mostrar o apartamento. Baixinho, dávamos risada e trocávamos olhares. A imaginação correndo solta. O curioso é que o apartamento era todo muito frio. Os armários dos quartos e da cozinha eram todos de alumínio e os batentes das portas, de granito. Alguém cochichou que parecia um necrotério e que dentro daqueles armários estariam os corpos de suas vítimas. Bom, deu para perceber que tudo servia de inspiração para os nossos devaneios. E olha que naquela época ainda não éramos fãs do Dexter.
        Sentamos para almoçar e, envenenada ou não, a comida estava deliciosa. O papo muito bom fez com que nossos anfitriões fossem aprovados, mesmo sob a expectativa de que a qualquer momento iriam nos picar em pedacinhos. Brincadeiras à parte o nosso domingo corria muito agradável, até que para nossa grande surpresa o marido vai até a estante e traz um grande álbum de fotos. Já foi logo dizendo que aquele era o xodó que ele guardava com o maior carinho. Ao colocar o tal álbum na mesa, nossos olhares pousaram juntos sobre a capa e um frio gelado correu por nossos estômagos. A capa era um mosaico feito de recorte e colagem com fotos dos cemitérios do Rio de Janeiro. Ninguém se atreveu a mexer, mas o marido fez logo questão de abrir e mostrar cada foto. Ele tinha trabalhado com repórter fotográfico e sua missão era fotografar pessoas mortas em acidentes de trânsito. Não tenho como descrever tudo o que vimos, mas, só para dar um exemplo, tinha cabeça separada do corpo e olho fora do rosto. Imediatamente pensamos a mesma coisa e quase chorando nos olhamos como quem diz: “Não quero mais brincar!”.
              Quando eles nos confessaram que seu maior sonho era conhecer o Museu do Crime em São Paulo, foi impossível disfarçar, levantamos e quase saímos correndo. Brincadeira boba, eu hein?
 
(escrito em agosto de 2011)
 

sábado, 27 de agosto de 2011

A Bolsa Retalhada


            Vivi a minha infância intensamente. Adorava ser criança e assim queria ser para sempre. Quando alguma amiga da minha mãe insistia em dizer “Nossa, está uma mocinha!”, rapidamente eu mudava a expressão e a minha mãe o assunto, com medo que a amiga notasse o meu desagrado e se arrependesse do infeliz comentário.
            Eu adorava brincar, criar, inventar. Meu quarto era o meu reino. Todas as minhas bonecas tinham nome e família. E olha que eram muitas. Além das que eu ganhava, ainda herdava as bonecas das minhas irmãs. Depois de ler Maria Heloisa Penteado, me auto nomeiei “Sua Majestade, a Rainha, Maria Porunga IV do Reino Perdido do Beleléu”, identidade secreta que usei por anos.
            Guardo até hoje muitas lembranças do meu tempo de criança e entre elas está uma bolsa de retalhos onde eu “guardava” minha imaginação. Às vezes ela era tão volumosa que pesava levar tudo na cabeça, por isso eu colocava parte da imaginação na bolsa. Eu a carregava para cima e para baixo e a chamava de “bolsa retalhada”. Minha amiga Suli, que não compactuava comigo nas fantasias, rapidamente apelidou minha bolsa de “bolha retardada”. Eu achava engraçado. Não deixava de ser criativo e isto me agradava! Nos primeiros meses de namoro, o meu marido, ao ouvir minhas histórias da infância, caiu na besteira de perguntar se eu já tinha tido amigos imaginários. Vai perguntar isso pra mim? Saí da sala por alguns minutos e voltei com a velha e encardida bolsa retalhada, de onde tirei um chapéu de gnomo que, muito séria, coloquei na cabeça. Mostrei para ele o ritual que eu fazia para liberar meus personagens imaginários de dentro da bolsa. Ele se diverte com esta história e diz que até hoje tem medo de me perguntar certas coisas.
            O fato é que sou do tempo em que brincar na rua era um parque de diversões, cheio de possibilidades. Perto da casa da minha amiga tinha uma árvore incrível com o singelo nome de “Gupilularenenajutarademaguiwadie”. Foi batizada pelas crianças da rua e cada sílaba correspondia ao nome de uma delas. Não me lembro das outras, mas sei que as últimas éramos nós: Wanessa, Dig e Eliane. Eu, que morava em apartamento, me sentia realizada por subir e descer daqueles galhos com total agilidade. Amava aquela árvore mais do que qualquer outra criança e chorei muito quando a podaram para dar espaço a uma lixeira de ferro. Lá se foram os melhores galhos. Os melhores abraços daquela velha amiga.
            Nunca mais voltei naquela rua, mesmo sabendo exatamente onde fica. Não tenho fotos, nem folhas secas guardadas, mas tenho a minha árvore inteirinha com seu cheiro e sua sombra, com seus galhos me convidando a todo momento para subir. Tudo dentro da minha bolsa retalhada.
            Já ouvi de muita gente estranha que eu sou boba e infantil, mas também ouvi várias vezes de amigos queridos, o sincero pedido para que eu preserve esta criança dentro de mim e nunca perca o brilho nos olhos de quem sonha. Não é difícil quando se tem uma bolsa como a minha, para mergulhar de cabeça, se reinventar e, fechar o zíper, quando precisar.

(escrito em agosto de 2011)

Os Pândegos


                  Pândego significa engraçado, brincalhão, alegre. Era a tradução perfeita para definir e, então, batizar a nossa dupla de humor. Eu e Wagner Trindade nos conhecemos em 2003, em um curso de teatro. Adorávamos contracenar um com o outro, nos divertíamos em cena, tínhamos um humor parecido e uma capacidade enorme de criar. A dupla virou peça. Escrevemos os textos, criamos os personagens, produzimos tudo sozinhos e demos muita, muita risada. O resultado não poderia ser outro: hoje, nós dois somos contratados pelo Zorra Total da Globo, o principal programa humorístico da maior emissora do país. E o melhor de tudo, interpretando nossos próprios personagens dos Pândegos!
            Quem lê este primeiro parágrafo pode pensar que tudo foi fácil, rápido e que, no mínimo, tivemos muita sorte. Mas não foi bem assim. Estreamos a peça “Os Pândegos – A Comédia” em 2004 e durante os 6 anos de estrada, nunca tivemos nenhum patrocínio. Tínhamos um amor imenso pela arte, uma vontade absurda de trabalhar, um sonho sincero de vencer. E, claro, muitas contas à pagar. Temos tanta história para contar que seria impossível resumir em poucas palavras. Só para dar um exemplo: no início da primeira temporada, eu entregava para alguém da platéia duas fitas vermelhas para serem amarradas, uma em cada pulso. Fazia parte de uma piada. Em outra cena eu usava dois band-aids coloridos no joelho. Já o Wagner distribuía para a platéia balas recheadas Arcor. Mas o que era para ser cômico, ficou um tanto dramático. Numa fase de vacas magras, o que no teatro deveria ser chamado de Julieta anoréxica, tivemos que cortar radicalmente as despesas. Por isso a fita vermelha passou a ser uma só e bem menor, que, ao invés de ser no pulso era amarrada no dedinho. O band-aid único, cor-da-pele básico, era reaproveitado por vários dias, enquanto durasse a cola. E as balas? Juquinha mesmo. Nós dois ficávamos na bilheteria vendendo os ingressos, para economizar com o bilheteiro. Um amigo operava a luz e outro operava o som. A gente só conseguia pagar a passagem deles. Acumulávamos as funções de camareiros, contra-regras e produtores.
            Mas é isso aí, aos poucos o público vai conhecendo o seu trabalho, começa o boca a boca e a situação vai melhorando. Quando a gente acha que vai ser incrível, que vai lotar e ficar gente pra fora, ou quase lotar... tá bom, que seja meia casa, mas ainda assim incrível; as luzes se acendem e lá estão elas: quatro pessoas solitárias na platéia. O que fazer numa hora dessas? Fazer, ué! Então, fizemos a peça, afinal estas quatro pessoas saíram de casa para nos ver. Só não dava pra entender por que elas se recusavam a rir. Sim, você sai de casa para ver uma comédia e decide, bravamente, que nada vai te arrancar um sorriso sequer. Dava vontade de perguntar: “Por que vieram????” Foi uma tortura. Eu e Wagner nos descabelando em cena e nada surtia efeito algum. Eu estava a ponto de parar a peça e dizer: “Ok pessoal, vamos acabar com este sofrimento, não é mesmo? Vocês estão liberados!!!!”
            Hoje a gente lembra destas e de muitas outras situações com o maior carinho. E temos certeza de que cada dificuldade, assim como cada conquista, foi importante para construirmos a nossa história. 

(escrito em julho de 2011)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A Casa dos Papagaios


              Tem gente que faz de tudo para não encarar uma viagem de carro com a família. Mas eu sempre gostei. Antigamente íamos assim: mãe e pai na frente e as três filhas atrás. Eu, como era a menor, sentava sempre no meio, sem direito a negociações. Mas isso não durou muito. Logo minhas irmãs ficaram independentes, passaram a viajar sozinhas e eu reinei absoluta no banco de trás do carro.
            Morávamos em Curitiba e nosso principal destino era o litoral do Paraná, mais precisamente a praia de Caiobá, onde tínhamos apartamento. Dentro do carro, já a postos, cumpríamos nossas tradições como o “beijo de viagem” e a oração “Caminhos caminhamos”. Meu pai, engraçado que só, contava várias estórias e a gente morria de rir. Muitas vezes pedia para ele repetir alguma. Na Serra do Mar enxergávamos nitidamente um gigante deitado e o seu perfil desenhado pelas montanhas. Tinha também a “Ilha de Terra” que eu batizei quando criança. Não sossegava enquanto não a via. Sem falar do nosso repertório musical (sempre o mesmo) que fazíamos questão de cantar quase aos berros pela estrada.
             Certa vez, notamos no meio da mata, bem longe da beira da estrada, um enorme casarão. Não sei por que cargas d’água alguém falou que era a “Casa dos Papagaios”. Ninguém se lembra a origem do nome. O fato é que a tal casa virou ponto turístico das nossas viagens. Um de nós sempre anunciava: “Olha a Casa dos Papagaios”. Com o passar dos anos, notamos que uma grande construção surgiu ao lado do casarão e aí começou a especulação. Meu pai apostava ser um convento. Minha mãe já dizia ser um cassino. Cada um defendia seu palpite e eu me divertia com as suposições.
            Num dia de chuva, no meio das férias, veio a idéia. Estávamos todos em Caiobá, fechados no apartamento, sem nada para fazer, quando meu pai sugeriu: “E se a gente fosse até a Casa dos Papagaios?” Todos se olharam em silêncio. Meu pai continuou: “Fazer uma visita, ver o que tem lá?” Imediatamente todo mundo topou. Entramos no carro e fomos fazendo apostas. Ríamos ao imaginar o dono da casa, nos atendendo com nariz curvado, a voz nasalizada e repetindo seu nome: “Louro, Louro”. Queríamos encontrar uma justificativa para o misterioso nome da mansão. A ida já valeu, pois foi uma farra. Quando chegamos lá, descobrimos que se tratava de um mega hotel. Fizemos uma visita e conhecemos todas as instalações. Fomos muito bem recebidos e ficamos admirados com a beleza do lugar.
            No final das férias, de volta para casa, passamos pela estrada e vimos o casarão de longe. Olhamos pela janela do carro com aquela sensação meio frustrante de ter desvendado um mistério. De ter estragado a brincadeira. Até que um de nós falou com empolgação: “Olha a Casa dos Papagaios!” e todos vibraram. Sim, era assim que gostávamos de vê-la. Do nosso jeito. Com a nossa história. E era assim que ela continuaria sendo para cada um de nós. 

(escrito em julho de 2011)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A fuga dos hamsters


           Esta história aconteceu há uns oito anos atrás, quando eu já morava no Rio de Janeiro e ia passar as férias em Curitiba com a minha família. Naquela época a viagem era feita de ônibus leito e durava em torno de 13 horas. Tudo certo se eu não tivesse tido uma das minhas idéias brilhantes. Resolvi levar comigo os meus dois hamsters, afinal, eram meus bichinhos de estimação e não poderiam ficar sozinhos por muito tempo.
            Arrumei a bolsinha de viagem deles, com ração, água, brinquedos e tudo que eles iriam precisar nas férias. Não precisei levar a gaiola, pois tinha outra em Curitiba. Eles tinham uma maleta de transporte, pequena e de plástico que mais parecia um tupperware furado. Resolvi levar em caso de emergência, mas me recusei a colocar meus bichinhos ali. Era claustrofóbico só de olhar. Caprichosa que sou, arrumei uma bolsinha toda de tela para que eles respirassem à vontade e eu pudesse ficar de olho nos dois. Em casa fiz o teste e eles aprovaram a minha invenção. Se acomodaram rapidamente e ficaram horas quietinhos na nova caminha. No ônibus, escolhi uma poltrona individual. Me acomodei com eles de um jeito que ficasse confortável e me cobri com o cobertor. Estrategicamente, coloquei uma lanterninha ao lado da bolsinha de tela para monitorá-los durante a viagem. Tudo muito bem pensado e planejado.
            A viagem corria maravilhosamente bem. Meus fofinhos dormindo feito anjinhos encolhidos. Se tivesse uma musiquinha tocando nesta hora seria de ninar. Fechei os olhos e continuei cochilando com um leve sorriso nos lábios. Comecei a sonhar com carneirinhos, não, eram hamsters, pulando a cerquinha. Que lindos! Primeiro um, depois outro. Senti uma coisa passando entre as minhas costas e o banco do ônibus. Acordei num sobressalto! Levantei o cobertor e lá estava ela. A bolsinha vazia e um rombo no meio da tela. Imediatamente a trilha sonora mudou. Um som estridente e repetitivo de filme de suspense preencheu a minha imaginação. Levantei e ainda pude ver um dos hamsters tentando se enfiar pela lateral da poltrona. Eles são rápidos, os danados. Aliás, que a verdade seja dita. Hamsters, definitivamente, não são cachorrinhos meigos que adoram carinho e se apegam ao dono. Não! Eles são delinqüentes e traiçoeiros. Enquanto fingiam dormir como bebês, estavam tramando e rindo pelas minhas costas, esperando a hora de colocar o plano de fuga em ação. Roeram a tela da bolsa como animais (ok, eles eram mesmo, mas isso não impediu a minha indignação). Consegui capturar um deles, mas o outro estava solto pelo ônibus. Eram quase 7 horas da manhã, os passageiros dormiam. Me ajoelhei e fui engatinhando pelo corredor do ônibus olhando embaixo das poltronas. Os cobertores dificultavam a busca. Fiquei apavorada com a possibilidade do psicopatazinho peludo ter se alojado no tênis de algum passageiro. No auge do meu desespero, vejo dois olhos abertos me olhando. Uma passageira desconfiada com a minha movimentação me acompanhava. Rapidamente segurei uma das orelhas e continuei a procurar, como se tivesse perdido um brinco. De repente, eis que vejo o rato besta em seu livre passeio pelo chão. Mergulhei na direção dele e o agarrei. Caso encerrado. Decretei prisão perpétua e os condenei ao tepperware furado. 

(escrito em julho de 2011)


domingo, 14 de agosto de 2011

Herói Vencedor


            Se eu fosse descrever um herói, falaria do caçula de seis irmãos de uma família simples do Piauí. Menino sapeca, cheio de energia. Fazia de suas brincadeiras, grandes aventuras. Aos 15 anos foi morar na Casa do Estudante Pobre de Fortaleza, sustentado pelo irmão mais velho. Que chances teria este menino de se tornar um super-herói? Criativo e esperto, não poupava esforços para driblar as dificuldades da vida. Certa vez, precisava de um tratamento dentário, mas não tinha dinheiro. Foi ao consultório do dentista e viu uma velha máquina de escrever, estragada, num canto. Ofereceu consertá-la em troca do tratamento. O dentista aceitou sem ao menos desconfiar que o jovem nunca tinha visto uma máquina daquela. Determinado, desmontou e limpou todas as peças, cuidadosamente. Estudou seu funcionamento e remontou a máquina todinha. Satisfeito e com os dentes tratados, sorria orgulhoso ao contar esta história e ria ao lembrar de dois parafusos que sobraram sem função.
            Muito estudioso era movido por um grande sonho: servir o Exército. Dono de um patriotismo entusiasta ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras. Sua foto está num grande quadro eternizada em uma das paredes da AMAN. Prova de tantos momentos ali vividos, de tanta dedicação e de um sonho realizado.
            Sim, ainda falo do mesmo menino magricela do Piauí, que por lá corria de um lado para o outro com os pés descalços e que um dia o tornariam atleta.  Competia 100 m com barreira e fez todos os esportes de que gostava. Lutou boxe, fundou um time de futebol e foi campeão de esgrima, premiado com um curso em Fontainebleau, na França.
            Apaixonado por aviação, se tornou observador aéreo e paraquedista. Fundou o primeiro Clube de Ultraleve do Paraná. E como nunca poupou suas habilidades, montou um avião Piper, sozinho, no quintal de casa. Tamanha a sua competência, o avião de fato levantou vôo para delírio dos amigos e orgulho da família!
            Ah, a família! Ele também constituiu a sua. Casou-se e teve três filhas. Dentro de sua casa, definitivamente, se consagrou herói. Sempre brincalhão, carinhoso e amigo, não demorou para conquistar o título máximo de melhor pai do mundo!
            Chegou a Tenente Coronel do Exército, se formou em Economia, foi professor universitário por 40 anos, professor de oratória e palestrante. Fez doutorado em Teologia e fundou a Igreja Evangélica Jesus de Nazaré, essencialmente assistencial, para cuidar de 60 crianças carentes de uma das áreas mais pobres de Curitiba. Um grande homem, um grande realizador, que soube usar sua liderança para fazer o bem, sem ver a quem.   
            Se eu fosse descrever um herói, falaria do meu pai: José Evane Dutra, o menino do Piauí. O herói vencedor!

(escrito em junho de 2011)

Primeira amiga


            Sábado de manhã, mochila arrumada para passar o final de semana na casa da minha avó. Diversão desenfreada interrompida somente pela musiquinha do Fantástico, indicando que o domingo estava no fim e era hora de juntar os brinquedos. Aliás, até hoje sinto um leve friozinho na barriga ao ouvir esta música. Isso porque, na casa da minha avó, eu tinha os melhores ingredientes para que aqueles dois dias ficassem eternizados em minha memória. Minha “Vó Tite” em pessoa, sempre tentando manter a ordem e os enfeites da sala inteiros. A Léo, minha paparicadora oficial, com seus lanches e guloseimas mais do que gostosos. E Alina, minha primeira amiga, que morava no apartamento ao lado, sempre pronta para longas tardes de brincadeiras.
            Fico pensando na sorte que tive de ter conhecido a “Lina” logo nas minhas primeiras engatinhadas. Nasci 23 dias depois dela e pude crescer ao seu lado. Que menina inteligente, criativa, engraçada! Que privilégio eu tive de aprender tanta coisa com ela. Sim, quem mais colocaria Tutankamon nas histórias da Barbie? E quem encontraria Judas nas fotos antigas de família? Estes e outros personagens dos quais nunca tinha ouvido falar, eram sempre inseridos nas brincadeiras dela. Eu ficava encantada. Muitas vezes parava de brincar e ficava assistindo as histórias fantásticas que ela criava para as bonecas. Até aquela Barbie velha e sem perna ganhou status de protagonista várias vezes, sob o codinome de “Ridícula”.
            Lina fazia coleção de revistinhas da Turma da Mônica. Tinha todos os números. Era o paraíso! Eu ficava doida e não conseguia escolher qual ler primeiro. Mas era só a Lina começar alguma brincadeira, que logo as revistinhas ficavam esquecidas num canto. E as risadas? Nunca, nada, nem ninguém me fez gargalhar tanto! Nos aventurávamos pelo terraço, duelávamos em guerras de tubo de papel higiênico, fazíamos passeata pelo apartamento e visitas aos defeituosos. Nada disso é o que parece ser. Mas era por onde a nossa imaginação nos levava.
            A mãe da Loti, Gepeto e Seu Antonio. Todos eram coadjuvantes do nosso “Mundo Feliz”. Aquele mundo da mobilinha, das calcinhas da gangorrinha, da ratinha Taninha, da boneca Pretinha e da saudosa pracinha. Aquele mundo onde uma banana cortada em rodelinhas nos leva aos Contos de Fadas. Onde o baleiro de prata esconde sete belos segredos. Onde o soluço embriagado de London, London pode embalar um sonho na passarela. Coisas simples, coisas nossas, que guardamos no coração.
            Hoje moramos longe, apesar de nunca termos perdido o contato. Só não passamos mais os finais de semana juntas. Não sei qual é o seu restaurante favorito. Não sei o livro que está lendo, nem a música que gosta de ouvir. Mas tenho certeza que se eu te convidar para um miojo com molho de carne queimada, com Gingibirra e flan de morango de sobremesa, ao som de Eu sou free ou Eva, você não irá resistir! 
            Querida Alina, ou minha Lina, a nossa amizade será eternamente a primeira, em tempo cronológico e lugar no podium. 

(escrito em maio de 2011)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Escolhas


A gente escolhe tantas coisas na vida.
Amigo, roupa, profissão.
Música, filme, feijão.
Entre o sim e o não a gente escolhe.
Ir ou ficar, falar ou calar.
Escolhe o certo ou o errado.
O que fazer no domingo.
O sabor do sorvete.
Se quer quente ou gelado.
O que dar de presente.
Escolhe para quem ligar.

Mas tem uma coisa que a gente não escolhe.
Quando os olhares se encontram e, não se sabe porquê e nem como, alguma coisa muda na gente.
E aquele dia, que era para ser mais um dia, se torna o primeiro.
A necessidade da presença. A facilidade de um sorriso. A euforia contida dentro de alguém que não se parece mais com a gente. Porque não somos mais os mesmos. E nunca mais seremos, depois daquele primeiro olhar.
E quando os lábios se encontram e os corpos se exigem, a gente descobre que amar não é uma escolha.
E por mais que nos pareça inconveniente, inadequado e, quem sabe até, precipitado, a gente não tem como fugir, nem negar.
O amor de verdade já nasce com a gente, inerente em nossos corações e vai estar para sempre evidente através dos olhos.

Hoje escolhi o meu lado romântico. Não lembrava muito dele. Estava guardado no armário junto com as camisas de renda. Andava perdido no fundo de uma gaveta com os lápis de cor.
Hoje escolhi que no meio da chuva o meu dia seria de Sol.
Conversei com as pessoas escolhendo as palavras.
Andei pela calçada escolhendo por onde pisar. E cheguei no final da rua.
Hoje percebi que minhas escolhas desenham no mundo quem eu sou.
E o que eu sou, é uma escolha só minha.
Isto provocou em mim uma vontade incontida de ser tanta coisa! Corri pegar os velhos lápis de cor no fundo da gaveta e desenhei o amor. O fato é que eu escolhi ser feliz e para isso eu existo.
Não tenho regras, tenho escolhas.
Hoje escolhi poesia. Amanhã posso escolher rabisco.

(escrito em maio de 2011)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Se não fosse você

                     Falar do amor que sentimos por nossa mãe, pode parecer complicado demais ao tentarmos traduzir sentimento tão intenso. Faltam palavras, o coração inflama, os olhos marejam. E, por fim, tudo que é dito acaba por parecer pouco diante da grandiosidade deste amor.
            Mas para mim nunca foi uma tarefa difícil. Desde pequena não economizo motivos para declarar o quanto a amo. De bilhetinhos colados na geladeira, desenhos, cartinhas e cartazes espalhados pela casa, até homenagens públicas, para todo mundo saber que é minha a melhor mãe do mundo.
            Sou a temporona de três filhas. Nasci com uma diferença de 9 e 12 anos das minhas irmãs mais velhas. Somente no quarto mês de gestação, minha mãe soube que estava grávida. Antes disso tinha feito uma radiografia da coluna, procedimento não recomendado para gestantes. Sabendo disso, o médico a preveniu que o bebê poderia nascer com problemas. Valente como ninguém, minha mãe guardou segredo sobre os riscos e aguentou a barra sozinha. Tudo isso porque ela me queria!
            Uma das homenagens mais marcantes que fiz para minha mãe, foi em junho de 2000, em uma solenidade do Clube Soroptimista, onde minha mãe tomava posse como Presidente. Sem que ela soubesse, me dirigi ao microfone e li um texto que escrevi especialmente para ela. Logo na primeira frase minha mãe começou a chorar. Ela sabia o significado daquelas palavras.

 Se não fosse você
“Se não fosse o seu amor teimoso, que me quis incondicionalmente, eu não teria sobrevivido.
Se não fosse a sua vontade de ouvir o meu primeiro choro, eu não teria te conhecido.
Se não fosse a sua alegria de ver o meu primeiro sorriso e dividir comigo todas as risadas que ainda viriam, eu não teria vindo.
Se não fosse a sua dedicação e o seu carinho absoluto, eu não teria crescido.
Se não fosse o seu grito forte e a sua proteção, eu não teria entendido.
Se não fosse o seu colo sempre disponível nos momentos mais difíceis, eu não teria conseguido.
Se não fossem os seus conselhos e toda a sua atenção, eu não teria vencido.
Se não fosse a certeza de ter você sempre por perto, eu não teria vivido.
Foi o seu amor, verdadeiro e único, que me apresentou à vida e me fez crescer pessoa. E se hoje eu sou pessoa, é porque eu tenho dentro da minha casa o melhor exemplo de uma mulher completa.
Este orgulho eu não escondo.
Se não fosse mãe, seria um mito.”


segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sonho e Ousadia


Há exatos vinte anos acontece o Festival de Curitiba. Um evento que reúne espetáculos de teatro do país inteiro. Este ano eu comemoro junto com o Festival, os meus vinte anos de carreira.
Quando eu comecei a fazer teatro, assistia às peças com os olhos vidrados, encantada com a cortina que abria, com cada refletor que acendia. Cada movimento era mágico. Cada gesto, cada palavra alimentava a minha vontade de atuar.
Os anos foram passando, eu fui estudando, me aprimorando, o Festival foi crescendo e este ano, duas décadas depois de nossas estréias nos palcos curitibanos, eu e o Festival demos as mãos para uma deliciosa comemoração. A menina sonhadora e o evento ousado. Sonho e ousadia que deram resultado. Este ano participei do Festival com dois espetáculos. O meu solo de humor “Se eu vou sobreviver?. ..Não sei”, e a comédia “A vida após o casamento”.  Lotamos todas as apresentações e ainda tivemos que abrir sessão extra. Mais uma vez, lá estava eu de olhos vidrados e encantada, porém desta vez, com as risadas da platéia, com o aplauso caloroso, o carinho recebido. Misturados ao público, rostinhos conhecidos de amigos e familiares. Esta é a emoção de subir ao palco da minha cidade, onde descobri minha vocação, me formei, aprendi tudo o que sei.
Hoje sou atriz. Adoro isso. Gosto da beleza desta profissão, apesar das dificuldades. Artista de uma maneira geral é um ser iluminado. Não por ter algum privilégio, mas pela capacidade de sonhar, de idealizar, de criar. Artista gosta de inventar coisas e se diverte com elas. Eu não sou diferente.
E para comemorar meus vinte anos de carreira, uma data tão significativa para mim, resolvi me presentear. Mas inventei um presente diferente. Fiz um pedido especial para a minha família. Como estou certa de que farei teatro por muitos e muitos anos, pedi a eles que separassem um objeto pequeno e sem valor material, mas que me fizesse lembrar de cada um. Então, coloquei os objetos em uma caixinha como uma espécie de amuleto. Minha família é a minha inspiração, minha raiz, meu alicerce. Eles representam tudo o que sou e o que ainda quero ser. Onde quer que eu esteja, cada vez que entro em cena, dedico a eles o meu trabalho. Por isso, a idéia da caixinha. Ela estará comigo em todos os camarins por onde eu passar. E quando eu for uma senhora atriz, comemorando sessenta, setenta anos de carreira, minha caixinha certamente estará na minha bancada, entre maquiagens e perucas, transbordando lembranças e bênçãos das pessoas mais importantes da minha vida.
Quem sabe tudo isso aconteça no mesmo Festival de Curitiba e, juntos, possamos continuar nos reinventando e compartilhando sonhos que ousam se realizar.

(escrito em abril de 2011)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Os olhos frios da morte


              Entre risos e brincadeiras, assuntos misturados em conversas altas. Descontração. Um ou outro tentando um cochilo, mas a maioria alvoroçada. Curtíamos a empolgação do menino voando pela primeira vez. Nariz grudado na janela tentando ver alguma coisa além da chuva e da escuridão. Meia noite e cinqüenta. A explosão seguida de um clarão. Silêncio. Em segundos o avião inicia um mergulho assustador. Ninguém fala. Cada um de nós fechado em seu próprio medo. Incrédulos. Esta é a morte? A minha morte? Nunca pensei. Nesta idade? Meu Deus. Olhei para o lado e todos agarrados em suas poltronas ou de mãos dadas com alguém. Olhos fechados, apertados. Imagino que rezando. O silêncio era doloroso. Então é assim que eu morro? Não posso acreditar. Não assim. Não ainda.
            Nossos solitários e tristes pensamentos interrompidos por uma turbulência agressiva, causando pavor e libertando gritos. Alguns pedem calma. Outros choram. Eu choro. Penso nos meus pais.
            Não é sempre que vemos a morte tão de perto. Alguns passam a vida toda sem sentir o frio de sua presença. Só o sentem uma única vez, em um único dia. O último. Outros, mesmo quando ela vem decidida e certeira, são levados sem ao menos encará-la. Mas olhar para ela nos olhos, com tempo de lhe perguntar: Por quê? Com tempo de lhe dizer: Não quero! Por favor, não! Uma sensação de impotência, de vulnerabilidade. Uma certeza desesperadora de que tudo vai acabar.
            O avião controlado segue seu vôo imponente. Vencedor. Demora alguns minutos para que voltemos a conversar. Aos poucos um ou outro vai ensaiando suposições sobre o que teria acontecido. Mas o medo ainda está pulsando em nossos corações acelerados. A viagem segue sem a menor satisfação. Como se tudo aquilo não tivesse acontecido. Tínhamos medo de perguntar, justamente por medo de ouvir a resposta. Só queríamos pisar em terra firme. Ouvir de novo o telefone tocar. Abrir a porta de casa. Ir ao supermercado. Sentar na beira da praia. Pegar a correspondência. Passear com o cachorro. Abraçar mãe e pai. Só queríamos isso. Nossa vida. Atrapalhada, atarefada, do jeito sem jeito que é. Do jeito que eu fiz. Do jeito que eu gosto. Sim, como eu gosto. Quero meus problemas, todos. Quero as risadas, as inseguranças, as vitórias. Quero cantar, quero brigar. Quero mais cinco minutinhos na cama de manhã. Quero ler tantos livros, ver tantos filmes. Quero me decepcionar, me atrever. Quero errar. Quero desenhar. No chão, na areia, na parede. Quero viver.
               O pouso é anunciado. Sentimos o encontro do trem de pouso com o chão. A porta se abre. Lá fora, sorrindo, minha vida me espera. Antes de descer pergunto ao comissário o que aconteceu lá em cima. Um raio atingiu o avião. Mera curiosidade. Isto não importa mais. 

(escrito em março de 2011)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Aos alunos com carinho


                Uma das minhas vocações, que pude colocar em prática e que sempre me trouxe grande alegria, é ensinar. Amo dar aulas e já ministrei vários cursos. A maioria de teatro e interpretação, mas também dei aulas de andamento e postura, etiqueta, maquiagem, atendimento ao cliente, passarela, entre outros. Já tive alunos de todas as idades e classes sociais, de todo tipo de humor e mal humor. Já tive momentos inspiradores e desafiadores.  Mas durante todos estes anos de experiência, eu descobri duas coisas muito importantes. A primeira é sobre a responsabilidade de ser professor. O compromisso e o comprometimento de entrar em uma sala de aula e transmitir algum conhecimento. Tive a noção exata disso quando ouvi um aluno repetindo uma frase que eu falei em aula. Percebi que as minhas palavras, enquanto professora, eram capazes de influenciar, marcar, direcionar as escolhas de um aluno. Fiquei muito orgulhosa por ele ter prestado tanta atenção na minha aula e passei, eu mesma, a prestar ainda mais atenção no que eu dizia.
            A segunda constatação aconteceu logo que comecei a dar aulas para crianças. Descobri o quanto é duro você conviver, se envolver, amar uma criança e no fim do ano, depois de um beijo melado e um longo abraço apertado, ela vai embora e você nunca mais vai vê-la. Isso é muito duro. Você não vai saber se ela virou bailarina, engenheira ou médica. Se continuou desenhando bem e se desenvolveu este dom. Você não vai saber se ela se tornou rebelde e aprontou horrores. Ou se é um orgulho para os pais e seria para você também, caso soubesse. Mas você não sabe e nem vai saber. Porque ser professor é isso. É se dedicar de coração, ajudar na formação da criança, prepará-la para o futuro e entregá-la ao mundo. Mas não é fácil os ver partir.
            Por isso, deixo aqui uma mensagem para todos os meus alunos que, onde quer que estejam, ainda habitam o meu coração.
            “Ei! Você que saiu correndo e esqueceu o meu beijo. Eu queria te falar. Não mais coisas da aula, de palco, plumas e platéia. É o que tenho guardado comigo, que levo e trago na bolsa. Que abro, que fecho, que escapa e escondo.
            Você chegou hoje com sono e juntos aprendemos mais. Você foi embora pulando e eu fiquei rindo. Você é assim. Me faz feliz. Do seu jeitinho que eu nem conhecia e que hoje entendo e vejo e sinto (e puxa!), como você cresceu. E me surpreende e me conquista.
            E é assim que você vem e vai e toda semana eu te espero. Mesmo sabendo que um dia você não vai mais voltar. E eu não vou mais poder te ver crescer. Mas sei que a sua alegria e esperteza, que eu tanto gosto, vão estar por aí conquistando o mundo.
            Seguro firme a bolsa e sigo em frente. Porque lá dentro, só você sabe, tem histórias engraçadas, mundos encantados e um amor imenso por você.”

(escrito em março de 2011)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Se alguém dança, eu danço


               Vida de artista não é nada fácil. E artista que não é famoso, então, nem se fala. Eu sei disso muito bem, já que 90% dos meus 20 anos de carreira foram no anonimato. Mas faz parte e devido a tantos perrengues, a gente passa a valorizar muito mais cada conquista.
              O problema é que para cada conquista, temos que passar por inúmeros testes. E o mais desafiador é o teste de nervos! Sim, porque não é fácil manter a calma com tanta expectativa. Sem falar das enrascadas e dos micos que a gente paga. Certa vez fui fazer um teste de dança para um comercial do Burger King. Grana boa! Fui no caminho me lembrando de um teste que eu tinha feito, no qual me sai muito bem. Também era de dança e só tinha bailarina de verdade. Todas esparramadas pelo chão se contorcendo. Definitivamente elas não têm ossos! Sem hesitar, eu e toda minha flexibilidade começamos a improvisar uma coisa qualquer parecida com "estou me aquecendo". O professor passou uma coreografia ensandecida de street dance e eu, bravamente, acompanhei do começo ao fim. Passei em todas as etapas e fui convidada para viajar com a companhia de dança da coreógrafa. Claro que eu não fui, mas gostei da experiência. Então, lembrei disso e pensei: "Este teste está no papo. Sempre passo em testes de dança". Já estava até pensando no que fazer com o dinheiro.   É minha gente, mas confiança não é tudo nesta vida. Quando eu cheguei lá pediram que eu me dirigisse ao mezanino onde a professora estava passando a coreografia. Depois era para descer na maquiagem e gravar individualmente no estúdio. Me lembro de cada detalhe como se fosse ontem, tamanho o trauma. Foi uma cena hilária! A professora, de salto alto, não mostrava os passos. Ela simplesmente, dizia algo tipo assim: “Conta sete, chassê, contra-tempo, pliê, posiciona pirueta dupla, cinco e seis e sete e oito. Cupê, grand-jetê, contra-tempo, gira, abre, três e quatro, socorro, padeburrê, pliê, seiláoquê!” Deus do céu! E o pior é que todas as bailarinas faziam exatamente o que ela estava pedindo. Imaginem a minha situação no meio do grupo. Comecei a copiar as meninas. Em quatro ou cinco repetições elas estavam prontas e desceram pra maquiagem. Então pedi para a professora para continuar com o próximo grupo. Meio a contra-gosto ela deixou. A cena se repetiu. Ela falou aquelas palavrinhas mágicas e as libélulas-saltitantes começaram a dançar todas juntas. E a vespa-alucinada aqui, feito louca correndo atrás do prejuízo. Quando acabou esse grupo, eu fiquei lá pronta para encarar o próximo. Foi quando a professora agradavelmente me expulsou. Então fiquei no corredor tentando pegar os passos que me faltavam daquele quebra-cabeça maluco que alguém resolveu chamar de coreografia. Chegou a minha vez. Entrei no estúdio e... cleck! Minha coluna travou. Fiquei lá congelada. Parecia brincadeira. O produtor soltou a música e nada aconteceu. Somente um suspiro de dor que mais parecia o som de um bezerro afônico. Os olhares se cruzaram e a dúvida que pairava no recinto era: “Quem é a doida?”. Fui embora mancando com a sensação de ter rasgado dinheiro. Resultado: dancei! Dancei muito, mas no pior sentido da palavra.     

(escrito em fevereiro de 2011)

A Casa, o Monstro e a Síndica


Tem coisas na vida que marcam para sempre. A primeira bicicleta, o primeiro beijo, o primeiro emprego, a primeira casa. Mas não aquela onde você morou com seus pais, e sim o primeiro lugar que você pode chamar de seu. No meu caso, minha primeira casa foi um apartamento conjugado, minúsculo, que morei durante dois anos, quando me mudei sozinha para o Rio de Janeiro. Era alugado, mas era meu, ué? E sendo assim, solenemente, pendurei uma placa na porta com os dizeres: “Casinha Dig-Dig”. O nome foi uma homenagem à minha verdadeira primeira casa, aquela de papelão, onde só cabiam duas, talvez três crianças espremidas e algumas bonecas. Meu apartamento era um pouquinho maior do que a Casinha Dig-Dig da minha infância.
Morar em um imóvel tão pequeno tem suas vantagens. O aluguel é mais barato, é fácil de arrumar, vive limpinho, é aconchegante. Mas sempre tem um defeito. E como a minha casinha não fugia à regra, não demorou muito para que eu descobrisse que o dela não poderia ser pior. Era um cheiro horroroso que, às vezes, saia pelo ralo do banheiro. Um dia, eu cheguei a ver a tampa solta, mexer com a pressão. Foi assustador! Então criei um personagem chamado "O Monstro Bafo do Ralo". Por sorte antes do cheiro surgir, um barulho anunciava a chegada do monstro e dava tempo de fugir. Era um salve-se quem puder! Pois bem, fui dar meu jeito. Despejei vários produtos de limpeza no ralo, acendi incenso no banheiro, passei bom ar, mas nada resolveu. O monstro era infalível. Até que tive uma idéia radical. Meu pai me forneceu a arma: uma cola tão poderosa que o nome não poderia ser outro se não "Pra que prego?". Sim, este era o nome da cola! Era praticamente uma massa corrida. Fiz placas internas de espuma, plástico e borracha, tamanha a minha fúria. Enchi de cola e vedei o ralo e todas as frestinhas. Deu certo! O terrível Monstro Bafo do Ralo estava preso e não passava de um punzinho enrustido nas profundezas de um cano qualquer.
Tudo estava indo muito bem, quando recebi uma estranha visita. Era a síndica do prédio, acompanhada do porteiro. "Nós podemos dar uma olhada no seu ralo? É que está tendo um vazamento lá embaixo e suspeitamos que seja daqui." E sem a menor cerimônia foram entrando rumo ao meu banheiro. Evidentemente, não conseguiram tirar a tampa. PORQUE EU COLEI BEEEEEM COLADA! Após constatar o lacre, a síndica deu ordens para o porteiro arrombar o ralo. Fiquei pensando no Monstro e na satisfação que ele deveria estar sentindo. Comecei a desconfiar que isso fazia parte de um plano, afinal ele teve alguns meses, preso lá dentro, para planejar sua fuga. Eu nunca fui com a cara da síndica e, naquele momento, descobri que ela era cúmplice do Bafo do Ralo. Fiquei imaginando que ela devia morar no subsolo do prédio, num lugar sujo e feio onde criava baratas que entravam nos apartamentos para vigiar as pessoas e depois contar pra ela. (Esse é o mal do ator: necessidade incontrolável de criar). E enquanto a síndica estava lá, supervisionando o injusto arrombamento, eu ía imaginando a sua história. Muitas vezes ela me olhava e eu dava aquele sorriso amarelo, horrorizada com a criatura que estava diante de mim. Descobri a gang do esgoto. E, definitivamente, a Síndica Baratonga era a chefe.
            Dizem que a solidão pode enlouquecer uma pessoa. Sorte a minha ter tantos personagens a minha volta. É, tem coisas na vida que marcam para sempre. A primeira vilã a gente nunca esquece.

(escrito em 2002)

Aprendendo a me virar sozinha


            Bom, a Casinha Dig-Dig estava linda, toda fofa e colorida como sempre foi. Eu já tinha resolvido os problemas com a Gang do Mal e o Monstro Bafo do Ralo nunca mais apareceu. A Síndica Baratonga estava tranqüila na dela, sem incomodar. As baratas, treinadas por ela, desapareceram e as formigas anãs praticamente tiraram férias. Uma beleza. Observação: todas as coisas estranhas, citadas anteriormente, serão assunto para futuros textos. Por ora, só é preciso dizer que, quando se mora sozinha pela primeira vez na vida, a pessoa desenvolve alguns mecanismos de defesa contra a solidão. Nada mais justo. Portanto, voltemos às baratas, digo, ao passado.
            O que eu não tinha notado é que outros seres bem mais discretos estavam tomando conta do pedaço. Seres estes, mais conhecidos como... aranhas!!!! Era só o que me faltava!!! Logo eu que sempre tive verdadeira aracnofobia! Já protagonizei escândalos homéricos por causa de ínfimas aranhas. Sem falar que essas não eram tão minúsculas assim. Costumavam ter o tamanho e a “magreza” de um pernilongo, o que para mim era considerado enorme! O meu desespero só não foi maior, porque no Rio de Janeiro não tem Aranha Marrom (leia-se aranha-assassina, comum no Paraná, de onde eu vim). Isso amenizava o meu medo de morrer ou de perder um braço. Pois bem, estava aberta a temporada de caça. Fui decidida ao supermercado para comprar “mata-aranha”. Quem foi que disse que isso existe? Tinha mata-barata, mata-mosquito, mata-carrapato, mas mata-aranha não tinha. Olhei bem as embalagens daqueles produtos como: Raid, Rodox, Baygon, etc, e nenhum deles se referia à aranhas. Notei um certo privilégio e percebi que elas eram mais influentes do que eu poderia imaginar. Resolvi então comprar um mata-formigas-e-pulgas. Não sei que relação eu fiz para escolher este, mas achei que, sei lá, tirando as pernas ficava tudo meio parecido.
            Cheguei em casa e fui ler a latinha. O produto vinha em pó, e tinha a seguinte recomendação: “CUIDADO! PERIGOSO!” Em letras garrafais e com exclamação! Também dizia: “proteger os olhos durante a aplicação”. Eu sou meio apavorada para essas coisas e se estava pedindo cuidado era melhor não vacilar. Não tive dúvida: coloquei meus óculos de natação. Continuei lendo a latinha: “não aplicar em locais que estarão em contato com a pele”.  Olhei para os lados. Aí já era demais! O cara que escreveu isso não tinha noção do tamanho do meu apartamento. Era tão pequeno e, conseqüentemente, impossível encontrar algum lugar em que eu não encostasse. Gente, tive que rir. O que era eu, parada em pé, com a latinha na mão, de óculos de natação e olhando para os lados indecisa. Parecia um ET que se perdeu da nave. E para terminar lá dizia: “Durante a aplicação não devem permanecer no local pessoas ou animais”. Ou seja, eu, pessoa que sou, não poderia estar presente durante a aplicação. Como assim??? Resumindo, complicado demais. Guardei a latinha e decidi usar as formas tradicionais de defesa. Em nome da minha integridade física e emocional, deixei um chinelo à mão para qualquer emergência. 

(escrito em 2002)