quarta-feira, 29 de junho de 2011

Aos alunos com carinho


                Uma das minhas vocações, que pude colocar em prática e que sempre me trouxe grande alegria, é ensinar. Amo dar aulas e já ministrei vários cursos. A maioria de teatro e interpretação, mas também dei aulas de andamento e postura, etiqueta, maquiagem, atendimento ao cliente, passarela, entre outros. Já tive alunos de todas as idades e classes sociais, de todo tipo de humor e mal humor. Já tive momentos inspiradores e desafiadores.  Mas durante todos estes anos de experiência, eu descobri duas coisas muito importantes. A primeira é sobre a responsabilidade de ser professor. O compromisso e o comprometimento de entrar em uma sala de aula e transmitir algum conhecimento. Tive a noção exata disso quando ouvi um aluno repetindo uma frase que eu falei em aula. Percebi que as minhas palavras, enquanto professora, eram capazes de influenciar, marcar, direcionar as escolhas de um aluno. Fiquei muito orgulhosa por ele ter prestado tanta atenção na minha aula e passei, eu mesma, a prestar ainda mais atenção no que eu dizia.
            A segunda constatação aconteceu logo que comecei a dar aulas para crianças. Descobri o quanto é duro você conviver, se envolver, amar uma criança e no fim do ano, depois de um beijo melado e um longo abraço apertado, ela vai embora e você nunca mais vai vê-la. Isso é muito duro. Você não vai saber se ela virou bailarina, engenheira ou médica. Se continuou desenhando bem e se desenvolveu este dom. Você não vai saber se ela se tornou rebelde e aprontou horrores. Ou se é um orgulho para os pais e seria para você também, caso soubesse. Mas você não sabe e nem vai saber. Porque ser professor é isso. É se dedicar de coração, ajudar na formação da criança, prepará-la para o futuro e entregá-la ao mundo. Mas não é fácil os ver partir.
            Por isso, deixo aqui uma mensagem para todos os meus alunos que, onde quer que estejam, ainda habitam o meu coração.
            “Ei! Você que saiu correndo e esqueceu o meu beijo. Eu queria te falar. Não mais coisas da aula, de palco, plumas e platéia. É o que tenho guardado comigo, que levo e trago na bolsa. Que abro, que fecho, que escapa e escondo.
            Você chegou hoje com sono e juntos aprendemos mais. Você foi embora pulando e eu fiquei rindo. Você é assim. Me faz feliz. Do seu jeitinho que eu nem conhecia e que hoje entendo e vejo e sinto (e puxa!), como você cresceu. E me surpreende e me conquista.
            E é assim que você vem e vai e toda semana eu te espero. Mesmo sabendo que um dia você não vai mais voltar. E eu não vou mais poder te ver crescer. Mas sei que a sua alegria e esperteza, que eu tanto gosto, vão estar por aí conquistando o mundo.
            Seguro firme a bolsa e sigo em frente. Porque lá dentro, só você sabe, tem histórias engraçadas, mundos encantados e um amor imenso por você.”

(escrito em março de 2011)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Se alguém dança, eu danço


               Vida de artista não é nada fácil. E artista que não é famoso, então, nem se fala. Eu sei disso muito bem, já que 90% dos meus 20 anos de carreira foram no anonimato. Mas faz parte e devido a tantos perrengues, a gente passa a valorizar muito mais cada conquista.
              O problema é que para cada conquista, temos que passar por inúmeros testes. E o mais desafiador é o teste de nervos! Sim, porque não é fácil manter a calma com tanta expectativa. Sem falar das enrascadas e dos micos que a gente paga. Certa vez fui fazer um teste de dança para um comercial do Burger King. Grana boa! Fui no caminho me lembrando de um teste que eu tinha feito, no qual me sai muito bem. Também era de dança e só tinha bailarina de verdade. Todas esparramadas pelo chão se contorcendo. Definitivamente elas não têm ossos! Sem hesitar, eu e toda minha flexibilidade começamos a improvisar uma coisa qualquer parecida com "estou me aquecendo". O professor passou uma coreografia ensandecida de street dance e eu, bravamente, acompanhei do começo ao fim. Passei em todas as etapas e fui convidada para viajar com a companhia de dança da coreógrafa. Claro que eu não fui, mas gostei da experiência. Então, lembrei disso e pensei: "Este teste está no papo. Sempre passo em testes de dança". Já estava até pensando no que fazer com o dinheiro.   É minha gente, mas confiança não é tudo nesta vida. Quando eu cheguei lá pediram que eu me dirigisse ao mezanino onde a professora estava passando a coreografia. Depois era para descer na maquiagem e gravar individualmente no estúdio. Me lembro de cada detalhe como se fosse ontem, tamanho o trauma. Foi uma cena hilária! A professora, de salto alto, não mostrava os passos. Ela simplesmente, dizia algo tipo assim: “Conta sete, chassê, contra-tempo, pliê, posiciona pirueta dupla, cinco e seis e sete e oito. Cupê, grand-jetê, contra-tempo, gira, abre, três e quatro, socorro, padeburrê, pliê, seiláoquê!” Deus do céu! E o pior é que todas as bailarinas faziam exatamente o que ela estava pedindo. Imaginem a minha situação no meio do grupo. Comecei a copiar as meninas. Em quatro ou cinco repetições elas estavam prontas e desceram pra maquiagem. Então pedi para a professora para continuar com o próximo grupo. Meio a contra-gosto ela deixou. A cena se repetiu. Ela falou aquelas palavrinhas mágicas e as libélulas-saltitantes começaram a dançar todas juntas. E a vespa-alucinada aqui, feito louca correndo atrás do prejuízo. Quando acabou esse grupo, eu fiquei lá pronta para encarar o próximo. Foi quando a professora agradavelmente me expulsou. Então fiquei no corredor tentando pegar os passos que me faltavam daquele quebra-cabeça maluco que alguém resolveu chamar de coreografia. Chegou a minha vez. Entrei no estúdio e... cleck! Minha coluna travou. Fiquei lá congelada. Parecia brincadeira. O produtor soltou a música e nada aconteceu. Somente um suspiro de dor que mais parecia o som de um bezerro afônico. Os olhares se cruzaram e a dúvida que pairava no recinto era: “Quem é a doida?”. Fui embora mancando com a sensação de ter rasgado dinheiro. Resultado: dancei! Dancei muito, mas no pior sentido da palavra.     

(escrito em fevereiro de 2011)

A Casa, o Monstro e a Síndica


Tem coisas na vida que marcam para sempre. A primeira bicicleta, o primeiro beijo, o primeiro emprego, a primeira casa. Mas não aquela onde você morou com seus pais, e sim o primeiro lugar que você pode chamar de seu. No meu caso, minha primeira casa foi um apartamento conjugado, minúsculo, que morei durante dois anos, quando me mudei sozinha para o Rio de Janeiro. Era alugado, mas era meu, ué? E sendo assim, solenemente, pendurei uma placa na porta com os dizeres: “Casinha Dig-Dig”. O nome foi uma homenagem à minha verdadeira primeira casa, aquela de papelão, onde só cabiam duas, talvez três crianças espremidas e algumas bonecas. Meu apartamento era um pouquinho maior do que a Casinha Dig-Dig da minha infância.
Morar em um imóvel tão pequeno tem suas vantagens. O aluguel é mais barato, é fácil de arrumar, vive limpinho, é aconchegante. Mas sempre tem um defeito. E como a minha casinha não fugia à regra, não demorou muito para que eu descobrisse que o dela não poderia ser pior. Era um cheiro horroroso que, às vezes, saia pelo ralo do banheiro. Um dia, eu cheguei a ver a tampa solta, mexer com a pressão. Foi assustador! Então criei um personagem chamado "O Monstro Bafo do Ralo". Por sorte antes do cheiro surgir, um barulho anunciava a chegada do monstro e dava tempo de fugir. Era um salve-se quem puder! Pois bem, fui dar meu jeito. Despejei vários produtos de limpeza no ralo, acendi incenso no banheiro, passei bom ar, mas nada resolveu. O monstro era infalível. Até que tive uma idéia radical. Meu pai me forneceu a arma: uma cola tão poderosa que o nome não poderia ser outro se não "Pra que prego?". Sim, este era o nome da cola! Era praticamente uma massa corrida. Fiz placas internas de espuma, plástico e borracha, tamanha a minha fúria. Enchi de cola e vedei o ralo e todas as frestinhas. Deu certo! O terrível Monstro Bafo do Ralo estava preso e não passava de um punzinho enrustido nas profundezas de um cano qualquer.
Tudo estava indo muito bem, quando recebi uma estranha visita. Era a síndica do prédio, acompanhada do porteiro. "Nós podemos dar uma olhada no seu ralo? É que está tendo um vazamento lá embaixo e suspeitamos que seja daqui." E sem a menor cerimônia foram entrando rumo ao meu banheiro. Evidentemente, não conseguiram tirar a tampa. PORQUE EU COLEI BEEEEEM COLADA! Após constatar o lacre, a síndica deu ordens para o porteiro arrombar o ralo. Fiquei pensando no Monstro e na satisfação que ele deveria estar sentindo. Comecei a desconfiar que isso fazia parte de um plano, afinal ele teve alguns meses, preso lá dentro, para planejar sua fuga. Eu nunca fui com a cara da síndica e, naquele momento, descobri que ela era cúmplice do Bafo do Ralo. Fiquei imaginando que ela devia morar no subsolo do prédio, num lugar sujo e feio onde criava baratas que entravam nos apartamentos para vigiar as pessoas e depois contar pra ela. (Esse é o mal do ator: necessidade incontrolável de criar). E enquanto a síndica estava lá, supervisionando o injusto arrombamento, eu ía imaginando a sua história. Muitas vezes ela me olhava e eu dava aquele sorriso amarelo, horrorizada com a criatura que estava diante de mim. Descobri a gang do esgoto. E, definitivamente, a Síndica Baratonga era a chefe.
            Dizem que a solidão pode enlouquecer uma pessoa. Sorte a minha ter tantos personagens a minha volta. É, tem coisas na vida que marcam para sempre. A primeira vilã a gente nunca esquece.

(escrito em 2002)

Aprendendo a me virar sozinha


            Bom, a Casinha Dig-Dig estava linda, toda fofa e colorida como sempre foi. Eu já tinha resolvido os problemas com a Gang do Mal e o Monstro Bafo do Ralo nunca mais apareceu. A Síndica Baratonga estava tranqüila na dela, sem incomodar. As baratas, treinadas por ela, desapareceram e as formigas anãs praticamente tiraram férias. Uma beleza. Observação: todas as coisas estranhas, citadas anteriormente, serão assunto para futuros textos. Por ora, só é preciso dizer que, quando se mora sozinha pela primeira vez na vida, a pessoa desenvolve alguns mecanismos de defesa contra a solidão. Nada mais justo. Portanto, voltemos às baratas, digo, ao passado.
            O que eu não tinha notado é que outros seres bem mais discretos estavam tomando conta do pedaço. Seres estes, mais conhecidos como... aranhas!!!! Era só o que me faltava!!! Logo eu que sempre tive verdadeira aracnofobia! Já protagonizei escândalos homéricos por causa de ínfimas aranhas. Sem falar que essas não eram tão minúsculas assim. Costumavam ter o tamanho e a “magreza” de um pernilongo, o que para mim era considerado enorme! O meu desespero só não foi maior, porque no Rio de Janeiro não tem Aranha Marrom (leia-se aranha-assassina, comum no Paraná, de onde eu vim). Isso amenizava o meu medo de morrer ou de perder um braço. Pois bem, estava aberta a temporada de caça. Fui decidida ao supermercado para comprar “mata-aranha”. Quem foi que disse que isso existe? Tinha mata-barata, mata-mosquito, mata-carrapato, mas mata-aranha não tinha. Olhei bem as embalagens daqueles produtos como: Raid, Rodox, Baygon, etc, e nenhum deles se referia à aranhas. Notei um certo privilégio e percebi que elas eram mais influentes do que eu poderia imaginar. Resolvi então comprar um mata-formigas-e-pulgas. Não sei que relação eu fiz para escolher este, mas achei que, sei lá, tirando as pernas ficava tudo meio parecido.
            Cheguei em casa e fui ler a latinha. O produto vinha em pó, e tinha a seguinte recomendação: “CUIDADO! PERIGOSO!” Em letras garrafais e com exclamação! Também dizia: “proteger os olhos durante a aplicação”. Eu sou meio apavorada para essas coisas e se estava pedindo cuidado era melhor não vacilar. Não tive dúvida: coloquei meus óculos de natação. Continuei lendo a latinha: “não aplicar em locais que estarão em contato com a pele”.  Olhei para os lados. Aí já era demais! O cara que escreveu isso não tinha noção do tamanho do meu apartamento. Era tão pequeno e, conseqüentemente, impossível encontrar algum lugar em que eu não encostasse. Gente, tive que rir. O que era eu, parada em pé, com a latinha na mão, de óculos de natação e olhando para os lados indecisa. Parecia um ET que se perdeu da nave. E para terminar lá dizia: “Durante a aplicação não devem permanecer no local pessoas ou animais”. Ou seja, eu, pessoa que sou, não poderia estar presente durante a aplicação. Como assim??? Resumindo, complicado demais. Guardei a latinha e decidi usar as formas tradicionais de defesa. Em nome da minha integridade física e emocional, deixei um chinelo à mão para qualquer emergência. 

(escrito em 2002)

domingo, 26 de junho de 2011

Amigo é coisa pra se guardar


Aí está um defeito que eu tenho. Eu gosto de guardar tudo. Principalmente coisas que me tragam alguma lembrança boa. Guardo as cartinhas que troquei com as amigas na época de colégio, os meus diários, os cadernos de recordações, agendas, fotos, bilhetinhos... Mesmo porquê, as minhas amigas são as mesmas até hoje. Pois é, dentre outras coisas, costumo conservar muito bem minhas amizades.
Foi em uma viagem de férias com a família, que conheci um grande amigo. Estávamos seguindo pela única estrada que levava ao sítio da minha irmã, em Paraty, quando nos deparamos com uma árvore caída, impedindo nossa passagem. Descemos do carro para estudar um jeito de tirar o tal obstáculo, quando vi um ninho no meio dos galhos. Lá estavam três periquitinhos e um ovo. Eram recém-nascidos, magrinhos, sem penas... Fui criada em apartamento, nunca imaginei ver uma cena como aquela. Fiquei tão encantada que... guardei. Sim, com carinho os levei comigo.
Alimentei-os com Danoninho e acompanhei o crescimento dos três. O maior e o menor deles, nos deixaram. O primeiro ficou lindo e forte. Quando percebeu um bando da sua espécie sobrevoando o sítio, voou ao encontro deles e se foi. O menorzinho, muito fraquinho, não resistiu e morreu. Ainda tenho dúvidas se foi fuga e suicídio, mas o fato é que o do meio ficou comigo. Meu grande amigo Yuki.
            Ele deixou para trás a verde mata de Paraty, a imensidão do céu e a liberdade da natureza, para viver comigo no meu apartamento em Curitiba. Yuki não sabia voar, portanto não havia a necessidade de deixá-lo preso. Andava atrás de mim pela casa e vinha correndo quando era chamado. Estudava comigo, montado na caneta enquanto eu escrevia. Segurava na minha roupa e saíamos juntos para passear. Sem falar os beijinhos que ele me dava. Está bem, eram bicadinhas carinhosas mas, o fato é que o Yuki era um amiguinho muito especial.
            Infelizmente, algo de muito trágico aconteceu. Eu estava fazendo um curso em São Paulo e o Yuki ficou em casa com a minha mãe. Ela adorava a companhia dele. Num rompante de aventura, meu periquitinho pulou da cama para o chão e quando minha mãe, distraída, se virou, chutou o pobrezinho. Desesperada, tentou “ressussitar” o bichinho, mas não teve jeito. Ainda sem saber o que fazer, minha mãe telefonou para a nossa diarista, a Ivanilda, que sem titubear deu a solução: “Ah, dona Marilena, põe no freezer.” Quando eu cheguei de viagem, recebi a notícia da morte do Yuki e chorando perguntei: “Onde ele está?” Tudo bem que eu sou criativa, mas confesso que isso jamais passou pela minha cabeça. Quase dei risada quando minha mãe me respondeu com a voz trêmula: “No freezer.” Depois de analisar o novo e frio habitat do meu amigo, acabei gostando da idéia de conservá-lo ali mesmo. E o deixei    guardadinho no freezer por 5 anos!
Nesse meio tempo, eu me mudei para o Rio de Janeiro e não podia levar o Yuki comigo. Pelo menos, não congelado. Então, tive a grande idéia de mandar empalhar! Ele está lindo e agora é parte da decoração da casa. No Natal usa um pequeno chapéu de Papai Noel e faz sucesso com as visitas.
Na prateleira ou no coração, amigo é mesmo coisa para se guardar.

(escrito em janeiro de 2011)

Pense bem antes de telefonar


Escravos de nossas próprias convenções. Não tem jeito. Ninguém está livre de cair na própria armadilha.
Um exemplo disso aconteceu lá em casa, quando eu ainda morava com meus pais. Certa noite entrou ladrão no apartamento da vizinha, causando o maior alvoroço entre os condôminos. Por onde ele entrou? E se resolver voltar? O que fazer para evitar?  Além de vigia noturno, alarme e iluminação reforçada, cada um resolveu criar suas próprias providências de defesa. Lá em casa, meu pai colocou cabo de vassoura em todas as janelas, impedindo-as de serem abertas por fora. E combinamos de trancar a porta do corredor do apartamento, para que o acesso aos quatros ficasse mais difícil.
Como sabemos, toda nova regra requer um tempo de adaptação. O problema foi conciliar este novo hábito com outros já estabelecidos.
Ligar de madrugada e acordar a mãe só para perguntar se uma amiga podia dormir lá em casa ou por qualquer outro motivo casual, era desaconselhável. Ao ouvir o telefone, minha mãe pulava da cama apavorada e imediatamente imaginava as piores cenas envolvendo suas filhas. Sua pressão subia, o coração disparava, o estômago embrulhava e para colocar tudo isso no lugar de novo, só quando todas estavam em suas camas dormindo, sãs e salvas. Depois de vários sustos desnecessários, convencionou-se que, definitivamente, não era adequado ligar para casa de madrugada, a não ser em casos de emergência.
Então o inusitado aconteceu. Ao chegar em casa de uma festa, de madrugada, qual não foi a minha surpresa ao encontrar a porta do corredor trancada? Meu pai achou que eu estivesse no meu quarto, por isso trancou a porta e foi dormir. Então começou o meu dilema. O que fazer? Tínhamos duas linhas de telefone em casa. Eu poderia ligar de um número para o outro e pedir para o pai ou para a mãe abrirem a porta. Mas até explicar que eu estava na sala, a minha mãe já teria enfartado. Mesmo porquê o telefone ficava ao lado do meu pai. Ele iria atender e, por mais que eu falasse rápido: “Estou aqui na sala”, meu pai, sonolento, iria dizer: “Dig?” e aí, sem dúvida, minha mãe já estaria gelada, estirada no chão. Conclusão: fora de cogitação telefonar. O jeito foi deitar no sofá e ficar por ali mesmo até alguém acordar.
Outra noite cheguei em casa, o maior silêncio, todos dormindo , não tive dúvida, tranquei a porta do corredor e fui dormir. O que eu não sabia, é que meu pai estava cochilando lá na sala da frente, esperando para assistir uma luta de boxe pela tv. De madrugada, quando a luta terminou, meu pai foi dormir e se deparou com a porta do corredor trancada. Então ele pensou: “Posso ligar de um telefone para o outro e pedir para alguém abrir a porta para mim”. Inevitavelmente, se lembrou da minha mãe e concluiu: “Se o telefone tocar, ela vai achar que a Dig ainda não chegou em casa e que aconteceu alguma coisa. Vai ficar apavorada.”, ou seja, fora de cogitação telefonar. O jeito foi deitar no sofá e ficar por ali mesmo até alguém acordar.
Depois de muitas risadas e trapalhadas com a tal porta trancada, resolvemos abolir a nova regra. Mesmo porquê, se um ladrão entrasse no apartamento, fatalmente encontraria um pobre coitado vulnerável, dormindo no sofá da sala. 

(escrito em janeiro de 2011)

sábado, 25 de junho de 2011

As Cartas de Sofia


Sofia é uma menina que estuda demais. Nunca vi Sofia dançando, comendo ou dormindo. Nunca vi outra imagem de Sofia que não fosse debruçada sobre os livros. E foi assim que ela me chamou a atenção.
            Descobri Sofia da janela do meu apartamento, de onde eu podia ver, no prédio dos fundos, a sua janela. Cortinas sempre abertas para aproveitar melhor a claridade, uma mesa redonda cheia de livros e uma cadeira, onde Sofia passava os dias estudando. Não sei se para o vestibular ou para um concurso. Não sei. O fato é que aquela janela emoldurava uma certeza: Sofia queria muito alguma coisa e estava decidida a conseguir. Não demorou muito para que aquela desconhecida se tornasse uma inspiração para mim.
            Eu não sabia seu nome, nem sua idade. Não sabia sua profissão, nem pretensão. Mas sabia que eu tinha algo em comum com aquela menina: a vontade de vencer!
            Foi assim que eu passei a chamá-la de Sofia, que em grego significa sabedoria. Batizei aquela personagem real que passou a fazer parte dos meus dias. Depois de estabelecida esta relação unilateral (sim, porque até então Sofia não fazia idéia da minha existência), resolvi escrever uma carta para ela. Era praticamente uma carta anônima, já que assinei com um codinome: Maria Porunga. Deixei claro que não queria conhecê-la, nem saber seu verdadeiro nome. Não queria nem ao menos saber o motivo de tanto estudo. Só queria que ela soubesse que atrás de alguma janela qualquer, alguém também cultivava sonhos e que um dia compartilharíamos nossas vitórias. Queria poder receber uma carta de Sofia com as palavras: “Olá! Eu consegui!” Queria poder escrever a mesma coisa para ela, um dia. Confesso que tenho um pé lá no mundo da fantasia e me deixei envolver por esta história que poderia ser fantástica. Nossas cartas poderiam virar um livro e inspirar pessoas. O livro poderia se chamar: “As Cartas de Sofia”. Eu poderia nunca conhecer Sofia e, mesmo assim, dividir este sonho com ela. Coloquei no correio uma carta, selada com magia.
            Mas, infelizmente, o mundo em que vivemos já não permite uma dose tão pretensiosa de boa intenção. Envolvida por tantas notícias ruins e trágicas, Sofia, ao receber a minha carta, trancou a janela e fechou as cortinas. Durante meses o Sol não mais iluminou seus livros.
            Com aquela sensação de quem aprontou na escola, eu contava para os meus amigos o fracasso do meu plano. Entre gargalhadas incrédulas todos me diziam que o medo prevalecia nas cidades grandes e que, no mínimo, Sofia temia um seqüestro. Fiquei horrorizada com o personagem que ela criou para mim. Na tentativa de exaltar a inocente experiência, escrevi outras cartas. Alguns meses depois, Sofia se mudou.
            Prefiro acreditar que ela foi embora porque conseguiu o que tanto queria. Porque seu estudo e dedicação a levaram para o lugar que sonhou. E que onde estiver, possa ler este texto e compreender. Prefiro continuar acreditando em poesia.

(escrito em dezembro de 2010)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Um conto de amor


            Marcus era seu nome. Trabalhava numa firma de limpeza e conservação de telefones públicos. Trabalhava duro, mas não reclamava. Já havia ficado desempregado e, só Deus sabia o quanto, sofrera. Preferia chegar em casa suado e cansado, do que passar noites em claro preocupado com seu próprio sustento.
            Gostava muito quando era escalado para trabalhar no calçadão da praia. Ficava olhando para o horizonte, pensando em seu destino. O que estaria reservado para ele? Foi numa manhã de Sol, justamente em seu lugar favorito, que a resposta lhe foi dada.
            Marcus lustrava um orelhão quando, de repente, o telefone tocou. Deixou tocar, mas algo lhe dizia para atender. Do outro lado da linha, uma voz doce começou a falar. O sotaque era diferente e encantador. Sentiu uma paz, uma tranqüilidade que não conhecia e se sentiu inteiro, pleno, completo. Jussara, do outro lado da linha, sentiu a mesma coisa. Discou o número errado e acertou em cheio. Seu desejo havia se realizado. Desde então, Jussara e Marcus se falavam uma vez por mês. Falavam pouco, pois o dinheiro era curto. Mas esse era o único dia do mês que importava. Marcus colocava camisa limpa, Jussara passava perfume. Um mês era ele quem telefonava, no outro era ela. E sempre na hora marcada, Jussara ligava para aquele mesmo número do engano mais acertado de sua vida.             Marcus morava longe e tinha que pegar um ônibus e muita estrada para chegar ao cenário da sua história de amor. Não se importava. Isso fazia com que o encontro com Jussara durasse mais tempo, além dos poucos minutos de ligação. Quando desligava, Marcus sentava ao lado do telefone e ficava olhando o mar. O balanço das águas era como o andar de Jussara. Ele a via em cada detalhe daquela paisagem. Só teve uma coisa que Marcus não quis contar. Que aquele número era de um telefone público. Achou que se ela soubesse que qualquer um poderia ter atendido, talvez... bobagem, mas não quis contar.
            Um dia a hora marcada passou e o telefone não tocou. Marcus sentiu a dor de espera e cada minuto era um ponteiro cravado em seu coração. Telefonou desesperadamente, mas Jussara não atendia. E o verão inteiro passou. Certa vez saiu de madrugada, pois não conseguia mais dormir. Pegou o ônibus e foi até o telefone que trazia a voz de Jussara. Ligou sem se importar com a hora. O céu estrelado, a praia vazia, o coração gelado. Alô? Disse a voz sonolenta, já não tão doce. Ao ouvir Marcus, Jussara brigou, chorou e só parou quando entendeu que Marcus não conhecia a mulher que atendeu o telefone público numa noite em que Jussara ligou, ansiosa, para lhe dizer que havia conseguido juntar um dinheiro para viajar ao seu encontro. Marcus se derreteu de amor e entre lágrimas marcaram, enfim, o primeiro e tão sonhado encontro. Dezoito anos depois que o telefone tocou, naquela manhã de Sol.

(escrito em 2006)

Acredite em seus sonhos


            Sou daquelas poucas pessoas que ainda acredita nos sonhos. Sou totalmente “conto-de-fadas” neste quesito. Adoro as histórias de sonhos improváveis que deram certo. A começar por mim. Sim, tenho muitos exemplos da minha própria vida que exemplificam muito bem o sonhar, acreditar e conseguir.
            Esta semana estive em São Paulo ministrando uma palestra em uma convenção internacional de modelos. Eram centenas de adolescentes armadas com seus books super-poderosos andando de um lado para o outro. Olhos brilhantes, sorrisos tímidos, pernas finas e trêmulas sobre saltos altíssimos. Meninos e meninas tão novos e tão sedentos por realizar seu primeiro grande sonho. Me comovia profundamente aqueles olhares cheios de esperança. Aquela pressa de dar certo. Senti um respeito tão grande por aqueles sonhos, justamente por ter tido os meus, muito parecidos, um dia.
            Como a maioria das meninas aos 14, 15 anos, eu também sonhava em ser modelo. Gravar comerciais de televisão, sair em capas de revistas, outdoors, desfiles. Mas a verdade é que eu não era exatamente bonita. Não digo feia, mas equivocada. Lutava com o meu cabelo e não sabia dominar os cachos. Na verdade eu os penteava e, quem tem cachos sabe, que isso não se deve fazer jamais! Ainda não tinha tirado a sombrancelha, o que faz a gente nascer de novo!  E para não ser muito dramática, nem vou falar das roupas que eu usava. Enfim, eu passava longe dos padrões de beleza da época. Mas mesmo assim eu me inscrevi em um concurso de beleza. Não que eu fosse totalmente sem noção e me achasse linda, mas era a tal mania de acreditar. Vai que dava uma zebra e alguém me descobria? Afinal eu tinha feito 3 cursos de modelo e manequim e tinha tirado as melhores notas. Disciplinada e aplicada eu era e muito. Devido a isso, li no rodapé da inscrição do concurso, que as candidatas deveriam comparecer à seleção, vestindo jeans e camiseta branca, com os cabelos lavados e sem maquiagem. Ah, tá. Se arrumadinha eu já não era grande coisa, imagina nestas condições? Mas, obediente, segui à risca as orientações. Voltando ao cabelo cacheado, para quem não sabe, é vital usar um creme ou um gel para abaixar os fios. Lavar e sair ao vento é a morte! Sim, foi o que eu fiz. Quer dizer, nunca estive mais feia na vida. Eu, praticamente, potencializei a feiura para ir em um concurso de beleza. Vocês podem imaginar o drama quando eu cheguei lá e me coloquei ao lado de meninas lindíssimas, muito bem vestidas e maquiadas, com seus cabelos cuidadosamente escovados. As orientações do rodapé? Só eu acreditei. Foi constrangedor. Eu já estava quase pedindo um pano para passar no chão e justificar a minha presença ali. Resultado: não passei nem na pré-seleção. Fiquei anos refletindo à respeito, mas não desisti. Aos poucos fui entendendo as exigências da profissão, fazendo cursos, me aperfeiçoando e em 11 anos na agência, ganhei dois concursos, fiz alguns outdoors e, nada mais, nada menos, do que 96 comerciais.
            Agora, alguém vai me dizer que sonhos não acontecem? 

 (escrito em novembro de 2010)

Surpresas de família


Dizem que família a gente não escolhe. É uma loteria. A gente nasce e depois vai ver onde é que se meteu. No meu caso tive a grande sorte de nascer numa família, no mínimo, muito engraçada.
Não me admira ter me tornado comediante, já que tive em casa o melhor laboratório de cenas cômicas que alguém pode imaginar. Com todo respeito aos entes já falecidos, mas até nos enterros aconteceram fatos hilários.
Na verdade nossa vida é bem comum, mas temos uma incrível capacidade de ver o lado engraçado das coisas. E aí está a diferença.
Uma grande característica da minha família é a incontrolável vontade de fazer surpresas uns aos outros. Nem sempre elas dão certo, mas o que vale é o processo. Todos se prestam a participar. Um bom exemplo foi o aniversário de 70 anos do meu pai. Reunimos a família para umas férias em Balneário Camboriu – SC. Como boa filha de militar, fiz um regulamento que foi encaminhado com antecedência para cada participante, com a programação diária e algumas instruções. Por se tratar da família Dutra, batizei o evento de “Férias Dutraquinas”. Teríamos jantar do pijama, amigo secreto, gincanas e performances. É lógico que meus pais receberam um regulamento falso, omitindo os detalhes do aniversário do meu pai. Começamos o dia com uma festa surpresa logo no café da manhã do hotel, com direito a decoração, bolo, bexigas e chapeuzinhos. O que chamava a atenção dos outros hospedes era uma enorme caixa ao lado da nossa mesa. O que teria dentro dela? Meu pai, por ter três filhas e ser o único homem da casa, sempre brinca dizendo que toda mulher é um abacaxi, mas rapidamente olha para minha mãe e completa a frase dizendo que ela é o abacaxi mais doce da sua vida. Por isso, ao abrir a caixa, lá estava ela, a minha mãe em pessoa, sorrindo e segurando um abacaxi. Foi uma gargalhada geral.
Na praia não demorou para as pessoas ao redor do nosso guarda-sol, notarem que algo de diferente estava acontecendo. Discretamente entregamos presentes para Deus e o mundo e contamos com a participação de desconhecidos, que chegavam cumprimentando o meu pai e trazendo um pacotinho. Vinha presente de todos os lados, de senhoras, crianças e jovens que toparam entrar na brincadeira. Meu pai chamava o cara da salada de fruta e este tirava um presentinho do isopor. Meu pai ia comprar milho e as vendedoras, em coro, cantavam parabéns para ele. E lá vinha outro presentinho. Sabendo da mania que me pai tem de remexer a areia com os pés, enterrei um pacotinho na frente da cadeira de praia dele. Não demorou muito e ele sentiu uma coisa espetando na areia. Opa! Outro presente desta vez “brotando” do chão!  A alegria do meu pai era a melhor parte.
Não é à toa que a nossa família é tão unida. Afinal, quem não gosta de uma boa risada! 

(escrito em novembro de 2010)

Uma cachorrinha em minha vida


Sempre gostei muito de bichinhos de pelúcia. Fui daquelas meninas que só conseguia dormir se estivesse devidamente agarrada a um bichinho amigo.
            Há um ano atrás algo de radical aconteceu na minha vida. Ganhei, do meu namorado, uma cachorrinha Shitzu, de verdade! Enfim, um bichinho de pelúcia com vida!
            Fomos no canil para escolher e quem me escolheu foi ela. No meio de tantos filhotes, aquela bolinha de pêlo pulava insandecidamente tentando chamar a minha atenção. Não tinha como ignorá-la. Quando a segurei no colo a danadinha me lambia tanto, como quem diz: “Ninguém aqui vai te amar mais do que eu. Me leva!” Como resistir? Dei o nome de Gaia, que significa Terra. Nome forte, imponente. A cachorrinha imediatamente incorporou o título e do alto de seus poucos centímetros, tomou posse, soberana, de todo o território do meu apartamento.
            Por ser uma experiência nova para mim, comecei a ler tudo a respeito de cachorros. Comprei um livro ótimo de adestramento que funcionou muito bem. Para ela. Me tornei atenta e obediente. Basta um latido e eu já vou correndo. Se a Gaia estiver ao lado da mesinha, sei que quer um biscoito. Se estiver ao lado do bebedouro, quer água fresca. Quando vem com a bolinha na boca, faço às vezes de arremessadora até ela cansar de brincar. Com o livro aprendi a importância de se estabelecer uma liderança e, lá em casa, não há dúvidas de que a Gaia é a líder da matilha.
            Descobri que a missão da Gaia no mundo é salvar as meias da terrível máquina de lavar. Se você já teve um Shitzu, sabe do que eu estou falando. Rápida e perspicaz, ela intercepta a trajetória da meia entre o tênis e a área de serviço. Uma vez resgatada, Gaia a leva para sua casinha protegendo-a com unhas e dentes. Literalmente.
            Outra coisa que aprendi com a Gaia é que sair para passear com um cachorro na coleira é como usar uma credencial de interatividade. Toda e qualquer pessoa que passa por você na rua, já chega conversando com a maior intimidade. É como se você passasse a fazer parte de um universo paralelo, dos seres humanos que gostam de cachorro. O engraçado é que me tornei conhecidíssima no bairro onde moro há 8 anos! Todos me cumprimentam e quando passo sozinha, sem exceção, do cara da farmácia ao tio da banquinha, todos me perguntam sobre a Gaia.
            Brincalhona e esperta, essa cachorrinha conquistou profundamente o meu coração. É impressionante a capacidade que um bichinho tem de transformar tudo ao seu redor. A minha casa ficou muito mais alegre (e bagunçada) depois da chegada de Gaia. Mas o melhor de tudo é que ela nunca esquece de retribuir o carinho e o amor que recebe. Tem coisa melhor?
           

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Pára tudo! Eu vou casar!


Hoje eu estava na maior correria, as voltas com o trabalho, roteiros que estou escrevendo, projetos para o ano que vem, ensaios e quando me dei conta... Pára tudo! Eu vou casar! Como assim? Faltam só duas semanas para o grande dia e eu pareço uma convidada da minha própria festa. Isso porque moro no Rio de Janeiro e vou casar em Curitiba. Minha mãe e meu grande amigo Julyo Cesar estão organizando tudo com muito carinho. Confio tanto no bom gosto deles que fiquei sossegada até demais! Hoje o frio na barriga me fez despertar para a realidade. Eu vou casar! Esse não é mais um dos compromissos da minha agenda. É o grande compromisso da minha vida! Me deu mesmo vontade de gritar: pára tudo que eu vou casar! Os dias estão passando e eu não estou curtindo os preparativos, conferindo os detalhes, enlouquecendo como todas as noivas, a medida que o dia se aproxima. Não estou degustando a ansiedade, o nervosismo, a expectativa. Hoje parei para imaginar que delícia esse momento que me espera. Todos os amigos presentes, a família, o noivo! Não vejo a hora de ver a carinha do Jean. Ele já me viu vestida de noiva milhões de vezes, devido às inúmeras sessões de fotos que fiz com este tema. Mas agora vai ser diferente. Vai ser de verdade. Vou ser a noiva dele e o vestido que estarei usando, eu escolhi pensando nele. Vamos oficializar uma união que já existe, mas que desejamos que dure para sempre. Sim, estou transbordando romantismo, porque me dei conta da importância deste momento. E a cerimônia em si, passa tão rápido. Quero curtir tudo o que eu tenho direito, incluindo o antes. Quero olhar para a minha aliança na mão direita e saber o que significa ela mudar de mão. Hoje percebi o quanto a quero na mão esquerda. Quero tudo que vem no pacote do casamento. Quero as decisões, as frustrações, as emoções. Quero toda a parceria desta união eterna. Quero filhos, quero a nossa família. Como vai ser? Quantos vão ser? Por que me distrai com o trabalho e deixei estes sonhos para depois? Agora é a hora de viver tudo isso. Hoje me dei conta de que novos sonhos estão prestes a se realizar. Se eu esticar as mãos quase os posso tocar. Eu sei que é apenas uma formalidade e que não vai mudar muita coisa no nosso dia-a-dia. Mas quero me dar o direito de vivenciar esta história. De fazer planos, de sonhar. Hoje fiquei com vontade de não ir ao banco pagar minhas contas. De furar com o produtor que me espera para uma reunião. De matar a academia e não devolver os DVDs na locadora. Hoje me deu vontade de sair pela rua contando para todo mundo que faltam poucos dias. Hoje me deu vontade de fechar a casa e ir correndo para Curitiba, como se eu pudesse antecipar a chegada do grande dia. Logo hoje que eu tenho tanta coisa para fazer. Lá vou eu de encontro às minhas obrigações, mas com o coração numa euforia incontida. E mesmo que o mundo não pare e eu vá no embalo com ele, sei que estou indo rumo ao sonho mais bonito e não me canso de repetir: eu vou casar!

(escrito em outubro de 2010)

Malícia

Me lambe gostoso com a língua macia
Me olha de lado desejando mais
Sorri safado mordendo os lábios
Me pega do jeito que te satisfaz.
Mais um pedaço de bolo
E eu, garfo, me sentindo um tolo
Pois seu prazer é pelo doce e não por mim.

(escrito em 15-09-2006)

O texto que deu origem à série


Maria Porunga estava andando pelas florestas perdidas do Beleléu quando tropeçou numa coisa estranha. Olhou para o chão e viu uma caneta grande e colorida. Era um sinal. Das árvores do Beleléu caíam muitas coisas. Não folhas, maçãs ou goiabas, mas fivelas, meias e botões. E também canetas. Maria Porunga já sabia que quando um objeto caía no chão na sua frente, era para avisá-la de que outro objeto estava perdido e pedindo socorro. Este era o código. Então, Maria Porunga parou e, atentamente, olhou ao seu redor para saber quem precisava de ajuda. De repente seus olhos brilharam e um sorriso esticado cravou em seu rosto. Era incrível! Queria tocar, mas algo lhe dizia para não fazê-lo. Não sabia o que era aquilo, só sabia que era mágico e que precisava tocá-lo. Embora gostasse das coisas certas, Porunga não podia evitar e, sem que ninguém visse, se entregou ao erro, ao diferente, ao proibido: comeu um pedaço daquele tesouro, ali mesmo, entre as árvores. Decidida, pegou a caixinha vermelha que guardava três novas experiências e a metade da que ela tinha comido. Sentiu suas mãos formigarem e quase não podia controlar. Guardou a caixa vermelha num lugar seguro. Aliás, Maria Porunga sempre foi a rainha dos esconderijos, dos bolsos fundos, dos fundos falsos, das passagens secretas e das gavetas emperradas. Maria Porunga escondeu seu tesouro. E as mãos formigavam. E mais e mais. Estavam queimando. Então, Maria as refrescou num lago alto, onde a água corrente era fria. Onde havia muitas conchas, pedras e gravetos. Porunga foi pegando um por um e os tirando da água. “Precisam respirar, precisam do Sol. Quem não precisa?” pensou.
            No dia seguinte tudo era silêncio e isso não era um bom sinal. Alguma coisa estava muito errada. Não havia ninguém, não havia nada. De repente Maria entendeu. Era o mal rondando seu reino. O mal não consegue entrar, de jeito nenhum, nem ontem, nem hoje, nem de dia e nem de noite. Mas ele ronda e assusta e ameaça e apavora. Mas nunca, nunca entra. Não no Beleléu. Não enquanto Maria Porunga existir. E lá estava ele, inconformado com a beleza do reino. Incomodado com a alegria que ele não podia ter. Por isso era tudo silêncio. Porque ele estava perto. Por isso era preciso agir. Maria Porunga desapareceu por alguns segundos e voltou com um olhar confiante. Sem que o mal a visse, comeu a outra metade da sua jóia e mais outra, inteirinha. Sentiu seu coração bater forte e as borboletas do seu estômago baterem rapidamente as asas. E uma vontade incontrolável de fazer xixi espetou até a ponta do dedão. Quando o xixi se foi sentiu-se leve e pôde ouvir aos poucos os barulhos mais gostosos. O ranger da porta, a água escorrendo em espiral pelo ralo, o vento apitando na frestinha da janela, os chinelos arrastando no chão, o saco de pão sendo esmagado. Esse som tem cheiro de fome. Hum! Era isso! O mal tinha ido embora e tudo voltou a ser gostoso.
            No outro dia Maria Porunga acordou cansada, preguiçosa de ver o mundo se mexer. Se encolheu, se entortou, se escondeu. Mas o Sol queria porque queria brincar. Alcançou a cama dela e a puxou pelo pé. Maria Porunga, para não decepcioná-lo, cantou uma música e disfarçadamente abriu a caixa vermelha. Lá estavam duas últimas esperanças. Sem muita vontade comeu uma, deixando a outra e sentiu seu corpo todo espetar. Deu pulinhos com risadas e foi ao encontro do Sol. Brincaram, dançaram, jogaram. Ele pra ela, ela pra ele. E o corpo todo espetava. Só acalmou quando o vento bateu com força, como quem assopra com pressa um ferimento. E tudo acalmou.
            Ontem Porunga comeu a última baguncinha. E deitou e dormiu. E deixou que a coisa toda acontecesse lá no mundo das fadas-novelas. Ela só queria assistir. Deitar, fechar os olhos e assistir.
            Assim a caixa vermelha se esvaziou. Maria Porunga secretamente provou cada gostinho do proibido. E cada gostinho do seu segredo. A caixa vermelha  ficou vazia. Que maravilha! Mas não por muito tempo. Maria Porunga estava mesmo procurando um lugar para guardar ovelhas.

(escrito em 2007)

Abrindo a caixa

Depois de muito relutar, cá estou cedendo mais uma vez ao universo virtual. Meu mundo é de papel e caneta. De lápis de cor. Teclo com um dedo só. Mas escrevo. Por isso decidi entrar. Por elas e não por mim. Minhas palavras voam e querem voar mais longe. Que venham! Que voem! Minha gaveta ficou pequena. Meus cadernos amarelados. Agora estou aqui. Vamos gastar este teclado. Amanhã comprarei um moleskine, só pra não me perder de mim.