domingo, 26 de junho de 2011

Pense bem antes de telefonar


Escravos de nossas próprias convenções. Não tem jeito. Ninguém está livre de cair na própria armadilha.
Um exemplo disso aconteceu lá em casa, quando eu ainda morava com meus pais. Certa noite entrou ladrão no apartamento da vizinha, causando o maior alvoroço entre os condôminos. Por onde ele entrou? E se resolver voltar? O que fazer para evitar?  Além de vigia noturno, alarme e iluminação reforçada, cada um resolveu criar suas próprias providências de defesa. Lá em casa, meu pai colocou cabo de vassoura em todas as janelas, impedindo-as de serem abertas por fora. E combinamos de trancar a porta do corredor do apartamento, para que o acesso aos quatros ficasse mais difícil.
Como sabemos, toda nova regra requer um tempo de adaptação. O problema foi conciliar este novo hábito com outros já estabelecidos.
Ligar de madrugada e acordar a mãe só para perguntar se uma amiga podia dormir lá em casa ou por qualquer outro motivo casual, era desaconselhável. Ao ouvir o telefone, minha mãe pulava da cama apavorada e imediatamente imaginava as piores cenas envolvendo suas filhas. Sua pressão subia, o coração disparava, o estômago embrulhava e para colocar tudo isso no lugar de novo, só quando todas estavam em suas camas dormindo, sãs e salvas. Depois de vários sustos desnecessários, convencionou-se que, definitivamente, não era adequado ligar para casa de madrugada, a não ser em casos de emergência.
Então o inusitado aconteceu. Ao chegar em casa de uma festa, de madrugada, qual não foi a minha surpresa ao encontrar a porta do corredor trancada? Meu pai achou que eu estivesse no meu quarto, por isso trancou a porta e foi dormir. Então começou o meu dilema. O que fazer? Tínhamos duas linhas de telefone em casa. Eu poderia ligar de um número para o outro e pedir para o pai ou para a mãe abrirem a porta. Mas até explicar que eu estava na sala, a minha mãe já teria enfartado. Mesmo porquê o telefone ficava ao lado do meu pai. Ele iria atender e, por mais que eu falasse rápido: “Estou aqui na sala”, meu pai, sonolento, iria dizer: “Dig?” e aí, sem dúvida, minha mãe já estaria gelada, estirada no chão. Conclusão: fora de cogitação telefonar. O jeito foi deitar no sofá e ficar por ali mesmo até alguém acordar.
Outra noite cheguei em casa, o maior silêncio, todos dormindo , não tive dúvida, tranquei a porta do corredor e fui dormir. O que eu não sabia, é que meu pai estava cochilando lá na sala da frente, esperando para assistir uma luta de boxe pela tv. De madrugada, quando a luta terminou, meu pai foi dormir e se deparou com a porta do corredor trancada. Então ele pensou: “Posso ligar de um telefone para o outro e pedir para alguém abrir a porta para mim”. Inevitavelmente, se lembrou da minha mãe e concluiu: “Se o telefone tocar, ela vai achar que a Dig ainda não chegou em casa e que aconteceu alguma coisa. Vai ficar apavorada.”, ou seja, fora de cogitação telefonar. O jeito foi deitar no sofá e ficar por ali mesmo até alguém acordar.
Depois de muitas risadas e trapalhadas com a tal porta trancada, resolvemos abolir a nova regra. Mesmo porquê, se um ladrão entrasse no apartamento, fatalmente encontraria um pobre coitado vulnerável, dormindo no sofá da sala. 

(escrito em janeiro de 2011)

Um comentário:

  1. muito boa essa Dig, uma amiga querida disse, melhor nem trancar as portas, daí a gente não gasta consertando as fechaduras quebradas pelos ladrões... sangue frio o dela!

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