sexta-feira, 22 de julho de 2011

Escolhas


A gente escolhe tantas coisas na vida.
Amigo, roupa, profissão.
Música, filme, feijão.
Entre o sim e o não a gente escolhe.
Ir ou ficar, falar ou calar.
Escolhe o certo ou o errado.
O que fazer no domingo.
O sabor do sorvete.
Se quer quente ou gelado.
O que dar de presente.
Escolhe para quem ligar.

Mas tem uma coisa que a gente não escolhe.
Quando os olhares se encontram e, não se sabe porquê e nem como, alguma coisa muda na gente.
E aquele dia, que era para ser mais um dia, se torna o primeiro.
A necessidade da presença. A facilidade de um sorriso. A euforia contida dentro de alguém que não se parece mais com a gente. Porque não somos mais os mesmos. E nunca mais seremos, depois daquele primeiro olhar.
E quando os lábios se encontram e os corpos se exigem, a gente descobre que amar não é uma escolha.
E por mais que nos pareça inconveniente, inadequado e, quem sabe até, precipitado, a gente não tem como fugir, nem negar.
O amor de verdade já nasce com a gente, inerente em nossos corações e vai estar para sempre evidente através dos olhos.

Hoje escolhi o meu lado romântico. Não lembrava muito dele. Estava guardado no armário junto com as camisas de renda. Andava perdido no fundo de uma gaveta com os lápis de cor.
Hoje escolhi que no meio da chuva o meu dia seria de Sol.
Conversei com as pessoas escolhendo as palavras.
Andei pela calçada escolhendo por onde pisar. E cheguei no final da rua.
Hoje percebi que minhas escolhas desenham no mundo quem eu sou.
E o que eu sou, é uma escolha só minha.
Isto provocou em mim uma vontade incontida de ser tanta coisa! Corri pegar os velhos lápis de cor no fundo da gaveta e desenhei o amor. O fato é que eu escolhi ser feliz e para isso eu existo.
Não tenho regras, tenho escolhas.
Hoje escolhi poesia. Amanhã posso escolher rabisco.

(escrito em maio de 2011)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Se não fosse você

                     Falar do amor que sentimos por nossa mãe, pode parecer complicado demais ao tentarmos traduzir sentimento tão intenso. Faltam palavras, o coração inflama, os olhos marejam. E, por fim, tudo que é dito acaba por parecer pouco diante da grandiosidade deste amor.
            Mas para mim nunca foi uma tarefa difícil. Desde pequena não economizo motivos para declarar o quanto a amo. De bilhetinhos colados na geladeira, desenhos, cartinhas e cartazes espalhados pela casa, até homenagens públicas, para todo mundo saber que é minha a melhor mãe do mundo.
            Sou a temporona de três filhas. Nasci com uma diferença de 9 e 12 anos das minhas irmãs mais velhas. Somente no quarto mês de gestação, minha mãe soube que estava grávida. Antes disso tinha feito uma radiografia da coluna, procedimento não recomendado para gestantes. Sabendo disso, o médico a preveniu que o bebê poderia nascer com problemas. Valente como ninguém, minha mãe guardou segredo sobre os riscos e aguentou a barra sozinha. Tudo isso porque ela me queria!
            Uma das homenagens mais marcantes que fiz para minha mãe, foi em junho de 2000, em uma solenidade do Clube Soroptimista, onde minha mãe tomava posse como Presidente. Sem que ela soubesse, me dirigi ao microfone e li um texto que escrevi especialmente para ela. Logo na primeira frase minha mãe começou a chorar. Ela sabia o significado daquelas palavras.

 Se não fosse você
“Se não fosse o seu amor teimoso, que me quis incondicionalmente, eu não teria sobrevivido.
Se não fosse a sua vontade de ouvir o meu primeiro choro, eu não teria te conhecido.
Se não fosse a sua alegria de ver o meu primeiro sorriso e dividir comigo todas as risadas que ainda viriam, eu não teria vindo.
Se não fosse a sua dedicação e o seu carinho absoluto, eu não teria crescido.
Se não fosse o seu grito forte e a sua proteção, eu não teria entendido.
Se não fosse o seu colo sempre disponível nos momentos mais difíceis, eu não teria conseguido.
Se não fossem os seus conselhos e toda a sua atenção, eu não teria vencido.
Se não fosse a certeza de ter você sempre por perto, eu não teria vivido.
Foi o seu amor, verdadeiro e único, que me apresentou à vida e me fez crescer pessoa. E se hoje eu sou pessoa, é porque eu tenho dentro da minha casa o melhor exemplo de uma mulher completa.
Este orgulho eu não escondo.
Se não fosse mãe, seria um mito.”


segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sonho e Ousadia


Há exatos vinte anos acontece o Festival de Curitiba. Um evento que reúne espetáculos de teatro do país inteiro. Este ano eu comemoro junto com o Festival, os meus vinte anos de carreira.
Quando eu comecei a fazer teatro, assistia às peças com os olhos vidrados, encantada com a cortina que abria, com cada refletor que acendia. Cada movimento era mágico. Cada gesto, cada palavra alimentava a minha vontade de atuar.
Os anos foram passando, eu fui estudando, me aprimorando, o Festival foi crescendo e este ano, duas décadas depois de nossas estréias nos palcos curitibanos, eu e o Festival demos as mãos para uma deliciosa comemoração. A menina sonhadora e o evento ousado. Sonho e ousadia que deram resultado. Este ano participei do Festival com dois espetáculos. O meu solo de humor “Se eu vou sobreviver?. ..Não sei”, e a comédia “A vida após o casamento”.  Lotamos todas as apresentações e ainda tivemos que abrir sessão extra. Mais uma vez, lá estava eu de olhos vidrados e encantada, porém desta vez, com as risadas da platéia, com o aplauso caloroso, o carinho recebido. Misturados ao público, rostinhos conhecidos de amigos e familiares. Esta é a emoção de subir ao palco da minha cidade, onde descobri minha vocação, me formei, aprendi tudo o que sei.
Hoje sou atriz. Adoro isso. Gosto da beleza desta profissão, apesar das dificuldades. Artista de uma maneira geral é um ser iluminado. Não por ter algum privilégio, mas pela capacidade de sonhar, de idealizar, de criar. Artista gosta de inventar coisas e se diverte com elas. Eu não sou diferente.
E para comemorar meus vinte anos de carreira, uma data tão significativa para mim, resolvi me presentear. Mas inventei um presente diferente. Fiz um pedido especial para a minha família. Como estou certa de que farei teatro por muitos e muitos anos, pedi a eles que separassem um objeto pequeno e sem valor material, mas que me fizesse lembrar de cada um. Então, coloquei os objetos em uma caixinha como uma espécie de amuleto. Minha família é a minha inspiração, minha raiz, meu alicerce. Eles representam tudo o que sou e o que ainda quero ser. Onde quer que eu esteja, cada vez que entro em cena, dedico a eles o meu trabalho. Por isso, a idéia da caixinha. Ela estará comigo em todos os camarins por onde eu passar. E quando eu for uma senhora atriz, comemorando sessenta, setenta anos de carreira, minha caixinha certamente estará na minha bancada, entre maquiagens e perucas, transbordando lembranças e bênçãos das pessoas mais importantes da minha vida.
Quem sabe tudo isso aconteça no mesmo Festival de Curitiba e, juntos, possamos continuar nos reinventando e compartilhando sonhos que ousam se realizar.

(escrito em abril de 2011)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Os olhos frios da morte


              Entre risos e brincadeiras, assuntos misturados em conversas altas. Descontração. Um ou outro tentando um cochilo, mas a maioria alvoroçada. Curtíamos a empolgação do menino voando pela primeira vez. Nariz grudado na janela tentando ver alguma coisa além da chuva e da escuridão. Meia noite e cinqüenta. A explosão seguida de um clarão. Silêncio. Em segundos o avião inicia um mergulho assustador. Ninguém fala. Cada um de nós fechado em seu próprio medo. Incrédulos. Esta é a morte? A minha morte? Nunca pensei. Nesta idade? Meu Deus. Olhei para o lado e todos agarrados em suas poltronas ou de mãos dadas com alguém. Olhos fechados, apertados. Imagino que rezando. O silêncio era doloroso. Então é assim que eu morro? Não posso acreditar. Não assim. Não ainda.
            Nossos solitários e tristes pensamentos interrompidos por uma turbulência agressiva, causando pavor e libertando gritos. Alguns pedem calma. Outros choram. Eu choro. Penso nos meus pais.
            Não é sempre que vemos a morte tão de perto. Alguns passam a vida toda sem sentir o frio de sua presença. Só o sentem uma única vez, em um único dia. O último. Outros, mesmo quando ela vem decidida e certeira, são levados sem ao menos encará-la. Mas olhar para ela nos olhos, com tempo de lhe perguntar: Por quê? Com tempo de lhe dizer: Não quero! Por favor, não! Uma sensação de impotência, de vulnerabilidade. Uma certeza desesperadora de que tudo vai acabar.
            O avião controlado segue seu vôo imponente. Vencedor. Demora alguns minutos para que voltemos a conversar. Aos poucos um ou outro vai ensaiando suposições sobre o que teria acontecido. Mas o medo ainda está pulsando em nossos corações acelerados. A viagem segue sem a menor satisfação. Como se tudo aquilo não tivesse acontecido. Tínhamos medo de perguntar, justamente por medo de ouvir a resposta. Só queríamos pisar em terra firme. Ouvir de novo o telefone tocar. Abrir a porta de casa. Ir ao supermercado. Sentar na beira da praia. Pegar a correspondência. Passear com o cachorro. Abraçar mãe e pai. Só queríamos isso. Nossa vida. Atrapalhada, atarefada, do jeito sem jeito que é. Do jeito que eu fiz. Do jeito que eu gosto. Sim, como eu gosto. Quero meus problemas, todos. Quero as risadas, as inseguranças, as vitórias. Quero cantar, quero brigar. Quero mais cinco minutinhos na cama de manhã. Quero ler tantos livros, ver tantos filmes. Quero me decepcionar, me atrever. Quero errar. Quero desenhar. No chão, na areia, na parede. Quero viver.
               O pouso é anunciado. Sentimos o encontro do trem de pouso com o chão. A porta se abre. Lá fora, sorrindo, minha vida me espera. Antes de descer pergunto ao comissário o que aconteceu lá em cima. Um raio atingiu o avião. Mera curiosidade. Isto não importa mais. 

(escrito em março de 2011)