quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Casal Serial Killer


              A história é simples. Durante os dois primeiros anos da peça Os Pândegos, tínhamos um casal de fãs que nos acompanhava em todas as temporadas. Compravam os ingressos sempre na primeira fila e, atenciosos, nos surpreendiam com presentes.
        É, seria simples assim se eles não tivessem se envolvido com criaturas estranhas. Sim, nós atores não somos muito certos da cabeça. Tenho que admitir que quando estamos em bando, então, a situação se agrava. Foi quando um amigo nos preveniu: “E se forem serial killers?”. Para quê? Não se pode fazer uma suposição destas, despretensiosamente, para atores. Nos olhamos e compramos o tema. Compulsivamente o jogo da imaginação havia começado.
            Aqui, vou me limitar a descrever apenas alguns fatos, que por sua vez foram assustadoramente favoráveis às nossas suposições. O suspeito casal nos convidou para um almoço em seu apartamento. Começamos com piadinhas discretas - só entre nós, claro - sobre o fato de estarmos em território inimigo. Logo alguém cogitou a chance da comida estar envenenada, mas rapidamente descartamos esta opção, pois era pouco criativa. Até onde sabíamos, um serial killer planeja e executa seu crime com crueldade. Ver sua vítima cair de cara no strogonoff não era nada emocionante. Também ficamos nos perguntando se eles matariam um de cada vez ou todos nós juntos. Então o casal resolveu nos mostrar o apartamento. Baixinho, dávamos risada e trocávamos olhares. A imaginação correndo solta. O curioso é que o apartamento era todo muito frio. Os armários dos quartos e da cozinha eram todos de alumínio e os batentes das portas, de granito. Alguém cochichou que parecia um necrotério e que dentro daqueles armários estariam os corpos de suas vítimas. Bom, deu para perceber que tudo servia de inspiração para os nossos devaneios. E olha que naquela época ainda não éramos fãs do Dexter.
        Sentamos para almoçar e, envenenada ou não, a comida estava deliciosa. O papo muito bom fez com que nossos anfitriões fossem aprovados, mesmo sob a expectativa de que a qualquer momento iriam nos picar em pedacinhos. Brincadeiras à parte o nosso domingo corria muito agradável, até que para nossa grande surpresa o marido vai até a estante e traz um grande álbum de fotos. Já foi logo dizendo que aquele era o xodó que ele guardava com o maior carinho. Ao colocar o tal álbum na mesa, nossos olhares pousaram juntos sobre a capa e um frio gelado correu por nossos estômagos. A capa era um mosaico feito de recorte e colagem com fotos dos cemitérios do Rio de Janeiro. Ninguém se atreveu a mexer, mas o marido fez logo questão de abrir e mostrar cada foto. Ele tinha trabalhado com repórter fotográfico e sua missão era fotografar pessoas mortas em acidentes de trânsito. Não tenho como descrever tudo o que vimos, mas, só para dar um exemplo, tinha cabeça separada do corpo e olho fora do rosto. Imediatamente pensamos a mesma coisa e quase chorando nos olhamos como quem diz: “Não quero mais brincar!”.
              Quando eles nos confessaram que seu maior sonho era conhecer o Museu do Crime em São Paulo, foi impossível disfarçar, levantamos e quase saímos correndo. Brincadeira boba, eu hein?
 
(escrito em agosto de 2011)