sexta-feira, 1 de julho de 2011

Os olhos frios da morte


              Entre risos e brincadeiras, assuntos misturados em conversas altas. Descontração. Um ou outro tentando um cochilo, mas a maioria alvoroçada. Curtíamos a empolgação do menino voando pela primeira vez. Nariz grudado na janela tentando ver alguma coisa além da chuva e da escuridão. Meia noite e cinqüenta. A explosão seguida de um clarão. Silêncio. Em segundos o avião inicia um mergulho assustador. Ninguém fala. Cada um de nós fechado em seu próprio medo. Incrédulos. Esta é a morte? A minha morte? Nunca pensei. Nesta idade? Meu Deus. Olhei para o lado e todos agarrados em suas poltronas ou de mãos dadas com alguém. Olhos fechados, apertados. Imagino que rezando. O silêncio era doloroso. Então é assim que eu morro? Não posso acreditar. Não assim. Não ainda.
            Nossos solitários e tristes pensamentos interrompidos por uma turbulência agressiva, causando pavor e libertando gritos. Alguns pedem calma. Outros choram. Eu choro. Penso nos meus pais.
            Não é sempre que vemos a morte tão de perto. Alguns passam a vida toda sem sentir o frio de sua presença. Só o sentem uma única vez, em um único dia. O último. Outros, mesmo quando ela vem decidida e certeira, são levados sem ao menos encará-la. Mas olhar para ela nos olhos, com tempo de lhe perguntar: Por quê? Com tempo de lhe dizer: Não quero! Por favor, não! Uma sensação de impotência, de vulnerabilidade. Uma certeza desesperadora de que tudo vai acabar.
            O avião controlado segue seu vôo imponente. Vencedor. Demora alguns minutos para que voltemos a conversar. Aos poucos um ou outro vai ensaiando suposições sobre o que teria acontecido. Mas o medo ainda está pulsando em nossos corações acelerados. A viagem segue sem a menor satisfação. Como se tudo aquilo não tivesse acontecido. Tínhamos medo de perguntar, justamente por medo de ouvir a resposta. Só queríamos pisar em terra firme. Ouvir de novo o telefone tocar. Abrir a porta de casa. Ir ao supermercado. Sentar na beira da praia. Pegar a correspondência. Passear com o cachorro. Abraçar mãe e pai. Só queríamos isso. Nossa vida. Atrapalhada, atarefada, do jeito sem jeito que é. Do jeito que eu fiz. Do jeito que eu gosto. Sim, como eu gosto. Quero meus problemas, todos. Quero as risadas, as inseguranças, as vitórias. Quero cantar, quero brigar. Quero mais cinco minutinhos na cama de manhã. Quero ler tantos livros, ver tantos filmes. Quero me decepcionar, me atrever. Quero errar. Quero desenhar. No chão, na areia, na parede. Quero viver.
               O pouso é anunciado. Sentimos o encontro do trem de pouso com o chão. A porta se abre. Lá fora, sorrindo, minha vida me espera. Antes de descer pergunto ao comissário o que aconteceu lá em cima. Um raio atingiu o avião. Mera curiosidade. Isto não importa mais. 

(escrito em março de 2011)

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