sábado, 25 de junho de 2011

As Cartas de Sofia


Sofia é uma menina que estuda demais. Nunca vi Sofia dançando, comendo ou dormindo. Nunca vi outra imagem de Sofia que não fosse debruçada sobre os livros. E foi assim que ela me chamou a atenção.
            Descobri Sofia da janela do meu apartamento, de onde eu podia ver, no prédio dos fundos, a sua janela. Cortinas sempre abertas para aproveitar melhor a claridade, uma mesa redonda cheia de livros e uma cadeira, onde Sofia passava os dias estudando. Não sei se para o vestibular ou para um concurso. Não sei. O fato é que aquela janela emoldurava uma certeza: Sofia queria muito alguma coisa e estava decidida a conseguir. Não demorou muito para que aquela desconhecida se tornasse uma inspiração para mim.
            Eu não sabia seu nome, nem sua idade. Não sabia sua profissão, nem pretensão. Mas sabia que eu tinha algo em comum com aquela menina: a vontade de vencer!
            Foi assim que eu passei a chamá-la de Sofia, que em grego significa sabedoria. Batizei aquela personagem real que passou a fazer parte dos meus dias. Depois de estabelecida esta relação unilateral (sim, porque até então Sofia não fazia idéia da minha existência), resolvi escrever uma carta para ela. Era praticamente uma carta anônima, já que assinei com um codinome: Maria Porunga. Deixei claro que não queria conhecê-la, nem saber seu verdadeiro nome. Não queria nem ao menos saber o motivo de tanto estudo. Só queria que ela soubesse que atrás de alguma janela qualquer, alguém também cultivava sonhos e que um dia compartilharíamos nossas vitórias. Queria poder receber uma carta de Sofia com as palavras: “Olá! Eu consegui!” Queria poder escrever a mesma coisa para ela, um dia. Confesso que tenho um pé lá no mundo da fantasia e me deixei envolver por esta história que poderia ser fantástica. Nossas cartas poderiam virar um livro e inspirar pessoas. O livro poderia se chamar: “As Cartas de Sofia”. Eu poderia nunca conhecer Sofia e, mesmo assim, dividir este sonho com ela. Coloquei no correio uma carta, selada com magia.
            Mas, infelizmente, o mundo em que vivemos já não permite uma dose tão pretensiosa de boa intenção. Envolvida por tantas notícias ruins e trágicas, Sofia, ao receber a minha carta, trancou a janela e fechou as cortinas. Durante meses o Sol não mais iluminou seus livros.
            Com aquela sensação de quem aprontou na escola, eu contava para os meus amigos o fracasso do meu plano. Entre gargalhadas incrédulas todos me diziam que o medo prevalecia nas cidades grandes e que, no mínimo, Sofia temia um seqüestro. Fiquei horrorizada com o personagem que ela criou para mim. Na tentativa de exaltar a inocente experiência, escrevi outras cartas. Alguns meses depois, Sofia se mudou.
            Prefiro acreditar que ela foi embora porque conseguiu o que tanto queria. Porque seu estudo e dedicação a levaram para o lugar que sonhou. E que onde estiver, possa ler este texto e compreender. Prefiro continuar acreditando em poesia.

(escrito em dezembro de 2010)

Um comentário:

  1. Dig, adoramos o seu blog, principalmente porque acompanhamos de perto o desenrolar de quase todas essas histórias... desta, especialmente, lembramos muito bem. De você nos mostrando a Sofia pela janela, das cartas e da incrível criatividade que envolve isso tudo. Saudades! Nesta semana, veio à tona em minha memória a estréia do ID... lembra? Inacreditáveis 20 anos se passaram! E que daqui a outros 20 possamos lembrar disso novamente... Beijo grande, Cris Ribinski.

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