sábado, 27 de agosto de 2011

A Bolsa Retalhada


            Vivi a minha infância intensamente. Adorava ser criança e assim queria ser para sempre. Quando alguma amiga da minha mãe insistia em dizer “Nossa, está uma mocinha!”, rapidamente eu mudava a expressão e a minha mãe o assunto, com medo que a amiga notasse o meu desagrado e se arrependesse do infeliz comentário.
            Eu adorava brincar, criar, inventar. Meu quarto era o meu reino. Todas as minhas bonecas tinham nome e família. E olha que eram muitas. Além das que eu ganhava, ainda herdava as bonecas das minhas irmãs. Depois de ler Maria Heloisa Penteado, me auto nomeiei “Sua Majestade, a Rainha, Maria Porunga IV do Reino Perdido do Beleléu”, identidade secreta que usei por anos.
            Guardo até hoje muitas lembranças do meu tempo de criança e entre elas está uma bolsa de retalhos onde eu “guardava” minha imaginação. Às vezes ela era tão volumosa que pesava levar tudo na cabeça, por isso eu colocava parte da imaginação na bolsa. Eu a carregava para cima e para baixo e a chamava de “bolsa retalhada”. Minha amiga Suli, que não compactuava comigo nas fantasias, rapidamente apelidou minha bolsa de “bolha retardada”. Eu achava engraçado. Não deixava de ser criativo e isto me agradava! Nos primeiros meses de namoro, o meu marido, ao ouvir minhas histórias da infância, caiu na besteira de perguntar se eu já tinha tido amigos imaginários. Vai perguntar isso pra mim? Saí da sala por alguns minutos e voltei com a velha e encardida bolsa retalhada, de onde tirei um chapéu de gnomo que, muito séria, coloquei na cabeça. Mostrei para ele o ritual que eu fazia para liberar meus personagens imaginários de dentro da bolsa. Ele se diverte com esta história e diz que até hoje tem medo de me perguntar certas coisas.
            O fato é que sou do tempo em que brincar na rua era um parque de diversões, cheio de possibilidades. Perto da casa da minha amiga tinha uma árvore incrível com o singelo nome de “Gupilularenenajutarademaguiwadie”. Foi batizada pelas crianças da rua e cada sílaba correspondia ao nome de uma delas. Não me lembro das outras, mas sei que as últimas éramos nós: Wanessa, Dig e Eliane. Eu, que morava em apartamento, me sentia realizada por subir e descer daqueles galhos com total agilidade. Amava aquela árvore mais do que qualquer outra criança e chorei muito quando a podaram para dar espaço a uma lixeira de ferro. Lá se foram os melhores galhos. Os melhores abraços daquela velha amiga.
            Nunca mais voltei naquela rua, mesmo sabendo exatamente onde fica. Não tenho fotos, nem folhas secas guardadas, mas tenho a minha árvore inteirinha com seu cheiro e sua sombra, com seus galhos me convidando a todo momento para subir. Tudo dentro da minha bolsa retalhada.
            Já ouvi de muita gente estranha que eu sou boba e infantil, mas também ouvi várias vezes de amigos queridos, o sincero pedido para que eu preserve esta criança dentro de mim e nunca perca o brilho nos olhos de quem sonha. Não é difícil quando se tem uma bolsa como a minha, para mergulhar de cabeça, se reinventar e, fechar o zíper, quando precisar.

(escrito em agosto de 2011)

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