domingo, 20 de janeiro de 2013

O quarto elemento



                Estou com medo da minha inquilina. Ela se mudou pra cá de mala e cuia, na surdina e já está se achando a dona do campinho. Não sei se aquilo é vespa ou se é o avatar de uma vespa. Só sei que voa. E deve picar. Sim, porque ela carrega a tiracolo uma bolsa enorme de veneno. Não que eu seja impressionada, mas tem grandes chances de ser letal.
            Inventei de tirar uma foto dela e fiquei assustada como é encorpada. É quase um cachorro de tão grande! Ao ampliar a foto vi que, como se não bastasse, a esnobe é toda trabalhada no preto com pintas amarelas. Que mané abelha?! Estamos falando de um inseto raro, que não se vê por aí pousando em qualquer latinha de refrigerante. Cheguei a chamá-la de Coco Chanel, pela elegância e pela bolsa (aquela do veneno), mas o medo ficou tamanho que eu não quero saber de intimidades. É o quarto elemento e pronto, já que até agora só morávamos nesta casa: meu marido, minha cachorrinha e eu. Após eu ter descoberto e destruído sua primeira casinha na árvore da sacada, a abusada escolheu um vaso aqui dentro da sala pra construir sua nova toca do Gugu. E não pensem que a casinha dela é comunitária, daquelas que abrigam várias vespas. Não! A dela é só dela. Mas quem ela pensa que é, um João de Barro?
               Cada vez que ela levanta vôo eu corro lá pra dentro derrubando tudo com medo de um ataque, mas estou percebendo que ela não está nem aí pra mim. Muito disciplinada, está focada no trabalho, entra e sai do apartamento com objetivo definido. Não é como aquelas moscas alucinadas que se trombam no vidro e mudam de direção bruscamente. Esta é calculista e tem o domínio completo de suas atitudes. Perfil semelhante aos dos psicopatas, o que me arrepia. Decola e faz a curva com precisão, sem esbarrar em nenhum vidro e vai certeira em busca do material necessário para sua construção. Não me perguntem o que é e nem onde ela vai buscar. Mas volta com outra bolsa carregada de "cimento" e, com uma habilidade incrível, espalha pelo galho no lugar escolhido, camada sobre camada, até a coisa ir tomando a forma de uma caverninha. Agora ela saiu pela sacada e eu decidi agir. Cheguei a pensar em pegar o laquê de cabelo, porque é ótimo para mosquito. Eles endurecem e perdem a mobilidade. Mas achei que para um bicho deste tamanho eu tinha que partir para substâncias mais tóxicas. Corri para o armário de produtos de limpeza e escolhi o que eu acho mais nocivo: cif desengordurante. Adoro! Com toda a crueldade que encontrei dentro de mim, fui até seu projeto de casulo e espirrei cif com gosto. Formou até uma piscininha. Ela ainda não voltou. Não sei se fico pra ver o trágico momento em que ela lamber sua massinha e sentir o cif queimando suas entranhas como quem bebe cicuta. Depois disso terei o cadáver dela caído na minha estante. Coisa que talvez me impressione um pouco. A cabeça dela é tão grande que, provavelmente, estará com alguma expressão macabra do tipo: "Eu voltarei". Falando nisso ela ainda não voltou. Será que foi buscar reforço? Eu não posso me intimidar, eu sou maior do que ela. E eu estudei! Se ela não voltar não haverá mais crime, certo? Então nada de pesadelos com a morta e nem vinganças do além. Mas por que será que ela não voltou? Será que ela vem pelo faro e o cheiro do cif a confundiu? Tipo quando dá pau no GPS?!  
              Ou ela tem mais o que fazer e foi cuidar da vida, me deixando aqui, totalmente desfocada dos meus compromissos, investigando o comportamento de uma espécie antipática de vespa. É impressionante a capacidade que a gente tem de se distrair com bobagens. Ai, ai. Lá se foi meu dia.


(escrito em junho de 2012)

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